O cinema possui momentos onde surfa crista da onda, ou seja, rendeu bilheteria, os estúdios investem na fórmula para fazer a roda girar. A crista da vez são as cinebiografias de bandas e cantores. A Globo Filmes investe em gêneros diversificados e para seguir a onda momentânea apostou em mais uma cinebiografia de um cantor nacional. A produtora aposta em filmes que posteriormente viram séries na tv aberta. O artista escolhido foi Wilson Simonal, um cantor com o timbre único e personalidade marcante. O filme foca na vida pessoal e profissional de Simonal e explora um olhar conturbado sobre os acontecimentos voltados na época da ditadura militar.
Simonal era vocalista de uma banda que foi descoberto por um produtor musical interpretado por Leando Hassum, que não consegue explorar personagens sem possuir o viés caricato. A luz de Simonal é tamanha que outros empresários o observam e não demora muito para que o cantor chegue ao seu apogeu. O destaque do elenco é Fabrício Boliveira, um dos atores mais versáteis de sua geração, que explora a malemolência e gingado de Simonal de forma cativante. A composição por completo de Fabrício eleva o filme e envolve o espectador, apesar da dublagem musical causar ruídos. A escolha para o par romântico me pareceu previsível por Isis Valverde ter realizado outros trabalhos com Fabrício. A questão é que cada filme é um filme e em Simonal a dupla não possui a mesma química que em projetos anteriores. Isis consegue explorar camadas para a personagem e o roteiro intensifica o arco, mas o destaque fica mesmo para o ator. Caco Ciocler possui um arco mais dramático voltado para a ditadura e o ator proporciona outra vertente de gêneros dentro do filme.
A montagem explora as diversas faces do cantor e consegue manter o ritmo do filme na maior parte do tempo. São explorados pelo elemento narrativo o momento difícil do começo da carreira até o artista ser descoberto, a união com Tereza, o auge da fama, capas de revistas, a visibilidade na televisão, a malandragem que cativou o público, a falência financeira e o possível envolvimento com a ditaduta. Toda a vida do cantor passa diante dos olhos do espectador com um ritmo que peca em determinadas passagens. A grande questão é que o elemento narrativo intensifica o fade out, com isso, o espectador pode sentir a quebra da montagem em alguns momentos. O recurso proporciona a sensação de grandes episódios, o que facilita para futuramente transformar o filme em série de tv.
A direção apresenta um trabalho interessante logo no começo do filme com um belo plano sequência em um show de Simonal tentando retomar sua carreira após o escândalo envolvendo o sequestro de seu contador. A câmera percorre todos os cantos do local até chegar ao artista. Um pena que em vários momentos algumas cenas transmitem a sensação de falta de conclusão e pressa. Em determinada cena, no auge da crise financeira, Tereza e Wilson discutem. Fabrício literalmente dá uma tapa no ar e Ísis ajeita a peruca. Toda a cena transmite ausência de sintonia entre os atores e a falta de conclusão do diretor. E o filme caminha entre tropeços e acertos de Leonardo Domingues. Impossível não mencionar o elemento narrativo que proporciona envolvimento instantâneo para o espectador: a trilha sonora. Os debates no começo da carreira com Leandro Hassum evidenciam a personalidade de Simonal. O cantor ressalta: "Falta gingado e malandragem". E assim, o público tem contato com os maiores sucessos do artista.
A trajetória de Simonal é bem similar a de vários artistas brasileiros, o grande diferencial foi o obstáculo do preconceito racial. O roteiro deixa claro os momentos decisivos em que Simonal foi tratado de forma diferenciada pela cor da pele. Quando o artista encontra Elis, ela o conforta dizendo que ela cantou o hino nacional e provocou a ira dos militares. Simonal somente sorri e diz: " A diferença é que eu sou favelado e negro". O filme consegue explorar de forma envolvente a trajetória marcante do artista e evidência a importância de uma das vozes mais marcantes da música brasileira.
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