O Bar Luva Dourada é um filme que reflete a apatia e o caos de uma geração que vivencia os traumas do pós- guerra em Hamburgo, na Alemanha. A trama gira em torno de Fritz Honka, um serial killer que estupra e esquarteja ex- prostitutas frequentadoras do Bar Luva Dourada. À medida que a trama avança, o espectador se sente atraído não somente pela violência explícita na tela, mas também pelas figuras peculiares que passam boa parte do dia e noite bebendo na companhia do protagonista. O sentimento de estranhamento e repulsação são aliados do espectador. A todo o momento o diretor reforça esses sentimentos seja pelo ato violento do protagonista ou pela forma excêntrica que Fritz vivencia a sua rotina. A falta de perspectiva, a psicopatia e o alcoolismo são temáticas abordadas e que causam certa empatia no espectador pela busca da humanidade presente no protagonista.
A cena de abertura é repleta de perversidade e demonstra perfeitamente o domínimo de Fatih Akin na direção. Interessante a opção do diretor ao focar na vitima já morta entregue aos transtornos psicológicos do protagonista. Fatih opta pela sugestão da violência ao não retratar de forma explícita o rosto da vítima. O foco é a ação de Fritz. Esse aspecto permeia toda a trama. Em vários momentos onde o protagonista mata de forma extremamente brutal, as cenas são repletas de desespero e caos, ao mesmo tempo que o diretor opta por esconder a vítima. Quando o protagonista violenta sexualmente as vítimas, o diretor utiliza planos fechados e a câmera nunca está próxima dos personagens, a sensação que Fratih transmite é de voyeur, onde a câmera toma o lugar do espectador. A opção pelas cenas mais explícitas reforçam ainda mais o aspecto do plano fechado ressaltando o caos completo da mente pertubada do protagonista. O primeiro plano e close são acertos do diretor para explorar de forma direta a persona e característica dos personagens. Ao optar pela aproximação total na tela o espectador torna-se refém da câmera de Fatih. Não existe objetos ou espaços vazios na mise-en-scène, o foco são os personagens. Dessa forma o olhar do espectador permanece fixo nas atitudes do protagonista.
Fatih Akin também assina o roteiro onde explora de forma direta e pessimista os coadjuvantes que giram em torno do arco do protagonista. A partir do momento que Fritz escolhe sua vítima, Akin tem a sensibilidade de humanizar cada personagem de forma sensível e brutal. Sensível porque cada mulher possui um arco emotivo que envolve o espectador gerando empatia instantânea. Geralmente problemáticas relacionadas ao ambiente familiar. São contatos superficiais que acabam inevitavelmente na morte das vítimas. É uma tentativa positiva de equilibrar a violência crua que permeia todo o filme. Além da humanização das vítimas, o roteiro explora uma paixão platônica na figura de uma bela jovem. A falta de perspectiva está presente também no núcleo juvenil, ou seja, Fatih bate na tecla a todo o momento na desilusão dos personagens. A juventude é reflexo direto de uma leveza necessária para suavizar o impacto gerado no espectador. Outro aspecto que proporciona leveza no filme são os coadjuvantes que servem de companhia para Fritz no bar. Existe no primeiro momento a repulsa do espectador pelos tipos físicos que frequentam o bar, mas o arco e o humor fazem com que a trama fique mais suave em vários momentos no decorrer dos atos. A mesma humanidade existente nos coadjuvantes é explorada na figura do protagonista. O tormento no conflito entre o prazer e sofrimento ao matar a vítima, a figura do irmão que ressalta superficialmente o passado da família, o sofrimento na crise de abstinência ao dar fim momentaneamente ao vício do alcool e a ilusão da mudança de perspectiva ao começar um novo emprego. Todos os aspectos explorados enriquecem o arco do protagonsita e geram empatia no espectador.
Os elementos narrativos no decorrer da trama dialogam de forma intensa com a personalidade e psicopatia do protagonista. A direção de arte reconstitui não somente os anos 70 como também a persona de Fritz. O cômodo pequeno, sujo e desorganizado reforça diretamente o caos e perturbação que o protagonista vive. O bar possui uma fotografia mais branda que visa explorar a humanização dos personagens. Outro elemento narrativo presente durante toda a trama é a trilha sonora. Sempre que o protagonista escolhe a vítima ou após um ato o de violência, o protagonista está imerso em um ambiente voltado para a música. Todos os elementos narrativos convergem para a caricata composição de Jonas Dassler. O jovem ator vai além do apoio fundamental da maquiagem e realiza um trabalho completo para compor Fritz Honza. É um misto de loucura, psicopatia, sofrimento e pesar pela falta de perspectiva na vida. A repulsa é constante pelos atos cometidos, mas também pelo aspecto físico do protagonista. É uma entrega intensa que cresce a cada cena na tela, mesmo que aparentemente tenha certo comodismo pela caricatura.
O diretor Fatih Akin acerta ao explorar os atos violentos do protagonista em planos fechados e primeiro plano. A câmera capta constantemente o sofrimento e humanização dos personagens. O espectador torna-se refém dos enquadramentos do diretor. Assim como as vítimas de Fritz não possuem escapatória, o espectador não consegue desviar o olhar da tela. Apesar dos atos violentos causarem repulsa, os coadjuvantes servem constantemente de alívio cômico na trama, o que reforça um equilíbrio constante entre o terror e a comédia. Esse balanço entre os gêneros é essencial para ressaltar ainda mais o envolvimento com o espectador. O Bar Luva Dourada atrai não somente pela violência, mas também pela humanidade existente em todos os personagens.
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