Border é um filme de fantasia com muitas vertentes reais. A trama foca em Tina, uma policial que utiliza uma espécie de intuição para detectar prováveis suspeitos. No momento em que sua intuição falha a protagonista começa a se questionar. Durante todo o tempo a trama envolve o espectador pela estranheza e desconforto ao abordar temáticas já exploradas em diversos filmes. A maneira como as subtramas são apresentadas é somente o fio condutor para um filme que tem como proposta levantar diversos questionamentos.
O roteiro escrito por Ali Abbasi e Isabella Eklof explora subtramas que são apresentadas de forma extremamente eficaz para envolver o espectador. No primeiro ato o foco é a rotina da protagonista e como ela utiliza da intuição para identificar suspeitos. Posteriormente, a trama enfatiza a descoberta dos sentimentos de Tina. Com um relacionamento extremamente frustrado, ela se permite viver uma intensa paixão e conheça a compreender suas origens com a ajuda de Vore. O roteiro explora certa dualidade, pois ao mesmo tempo que a protagonista consegue detectar os sentimentos no outro, ela começa a descobrir os próprios e também resgatar sua origem. A trama ganha um tom mais intenso da fantasia com a presença de Vore. O personagem auxilia na jornada de autoconhecimento da protagonista. Aos poucos o espectador se envolve por completo na humanidade de Tina e o filme ganha definitivamente o espectador. As reviravoltas surgem em momentos certeiros para que a trama ganhe mais dramaticidade.
O primeiro elemento narrativo que salta aos olhos do espectador é a maquiagem. Tina sempre se sentiu como uma estranha no ninho. Diferente dos demais, ela somente aceita que nasceu com uma anomalia cromossômica. Esse elemento reforça o estranhamento momentâneo do espectador, porém, a humanidade da protagonista torna o elemento narrativo secundário. A fotografia com cores frias embala a tristeza e alegria da protagonista ao descobrir seus sentimentos e origem. A direção de arte também reforça o aprisionamento e solidão de Tina. Uma casa apertada e mal cuidada reforça o comportamento interior da protagonista. Outro elemento que se faz presente principalmente na mudança de atmosfera da trama é a trilha sonora. Ela aparece de forma intensa na descoberta do prazer sexual e na tensão em determinadas subtramas. Apesar de a trilha ser enfática em certos momentos, o som diegético é fundamental para complementar as camadas da protagonista. Tina só sente liberdade quando está em contato com a natureza. O silêncio e a euforia estão presentes quando a personagem está fora da casa.
O diretor Ali Abbasi explora a descoberta de sentimentos da protagonista com planos abertos e fechados. Quando a protagonista mantém um relacionamento com Roland, Ali explora planos fechados da casa para destacar o sufocamento e aprisionamento de Tina. Quando a protagonista se permite viver e tomar certas decisões o diretor explora planos abertos na floresta. À medida que a fantasia ganha destaque na trama o primeiro plano é intenso para ressaltar ao máximo a interpretação dos atores e a mudança de tom na narrativa. Eva Melander trabalha com a repulsa e atração do espectador. O incômodo é inevitável, mas a atriz consegue interpretar de forma intensa e delicada a descoberta de sentimentos de Tina. Esses sentimentos transcendem a maquiagem e o espectador intensifica a relação com as camadas da personagem. As reviravoltas presentes no roteiro estão diretamente relacionadas com a presença marcante de Eero Milonoff. Essas camadas intensificam as transformações de Tina e modificam drasticamente o tom da narrativa. A interpretação do ator beira o terror e faz a fantasia ganhar definitivamente a tela. Um trabalho delicado e primoroso de Eero e Eva.
Além do estranhamento que acompanha o espectador ao longo do filme e as subtramas exploradas de forma precisa entre os atos, Border tem como destaque a criatividade. É na alternância dos gêneros que o filme ganha o espectador. A humanidade da protagonista é reforçada pela dramaticidade que ganha tons de terror e suspense à medida que a protagonista explora sentimentos e descobre as motivações de Vore. Um filme que acompanha o espectador por muito tempo após a sessão e nos faz refletir sobre o que nos difere dos demais. A protagonista compreende certos dilemas e nos faz enxergar além da maquiagem. Ela nos faz chegar ao seu coração. Neste momento Tina vai além das máscaras dos demais personagens e se transforma em bússola moral melhor do que muito ser humano.
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