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Sobre estar presente ou impor a sua presença (Celeste e Jesse para sempre)


Uma atmosfera independente e romântica é a proposta de Celeste e Jesse para sempre. Várias indagações surgem ao longo do filme (devo confessar que minha antipatia pela protagonista foi imediata) e a conclusão que parecia óbvia demais transformou-se em reflexões sobre estar presente ou impor a presença. No filme, Celeste é uma jovem bem sucedida de 30 e poucos anos focada no trabalho. O espectador tem o primeiro contato com o casal já prestes a assinar os papeis do divórcio.  Estou bem até me sentir ameaçada por outra pessoa. Jesse é um adulto que ainda não amadureceu o suficiente, ou seja, ele se encontra na zona de conforto. Eis que Jesse recebe a notícia de que vai ser pai. Após o choque, a realidade o faz sair da zona de conforto, mesmo que ele ainda esteja sofrendo com o passado.  

Celeste e Jesse estavam presentes de forma saudável na vida um do outro. O cotidiano de sempre ver a pessoa querida, de olhar pela janela e saber que ele(a) vai estar lá para você e por você . Antes de ser um casal, os protagonistas eram amigos e existia o respeito mútuo. O sinal de que a maturidade ainda que tardia chegou para Jesse abala a amizade e o respeito entre ambos. O bebê não é de Celeste e o estar presente não parece ser a melhor opção. Fingir que está tudo bem após o término de um relacionamento e tentar buscar consolo em outras pessoas é um caminho. Quem nunca provocou ciúmes no ex- namorado(a) fingindo estar tudo bem, mas na verdade refletimos: " A vida precisa seguir, mas ainda não compreendo o motivo de não estarmos mais juntos.". Sabemos como ninguém todos os motivos para não continuarmos com a pessoa que significava tanto para nós. Um dos aspectos mais interessantes do filme é que claramente Jesse sente mais o término de que Celeste. Aqui temos um aspecto do roteiro dentre vários que dialoga perfeitamente com a realidade de vários casais. Um aparenta sentir mais do que o outro. Celeste demonstra que ainda nutre sentimentos pelo ex -marido quando ele se relaciona com outras mulheres. A ameaça a faz refletir não somente sobre seus sentimentos, mas também sobre uma postura egoísta perante o amigo que está enfrentando a maturidade tardia. 

A grande questão que permeia Celeste é o fato de acreditar que Jesse será para sempre seu. Em uma cena de confronto do casal Celeste chora ao falar que esperou muito tempo para que Jesse amadurecesse. Ele argumenta que somente deseja ser feliz e seguir em frente. Nos identificamos porque queremos que o outro seja como nós desejamos. O que não se pode explicar é a atração que sentimos durante vários anos pelos defeitos do outro. Quando existe um sentimento forte ligando o casal, o defeito se transforma perfeitamente em qualidade. A partir do momento que o sentimento começa a acabar, as qualidades tornam-se defeitos insuportáveis e a falta de diálogo afasta o casal. Pequenos detalhes transformam-se em um turbilhão de emoções. Escutar umas verdades de quem se ama machuca, porém, nos faz refletir sobre nós mesmos. Após as verdades serem expostas Celeste aos poucos também percebe que precisa deixar Jesse ir para que ela seja feliz. Ao longo do filme, várias tentativas de aproximação dos protagonistas também são claramente observadas no cotidiano de qualquer casal. Dar mais uma oportunidade para que o relacionamento dê certo é simplesmente uma maneira de prender o que não lhe pertence mais. Essa falsa sensação de pertencimento, de impor a presença, muitas vezes machuca mais ainda quem está na relação. Celeste queria impor sua presença na vida de Jesse. A partir do momento que ela olhou para si, a protagonista se permitiu seguir em frente e estar presente na vida de Jesse. O estar presente significa verdadeiramente deixá-lo partir. 


Muitas vezes precisamos de um choque para que a vida tome diferentes rumos. Talvez se Jesse não fosse pai, ele não teria pensado em finalmente cortar os laços e seguir em frente. A ligação entre os personagens é tamanha que o ex- marido mora nos fundos da casa da ex- mulher. É a questão de impor a presença usando como suporte um sentimento que acabou. Preciso montar uma cômoda. A solução está nos fundos da casa. Lógico que o encontro foi repleto de segundas intenções e o objeto era somente uma desculpa. Quantas vezes não inventamos pretextos para estar perto de quem a gente ama? Ou melhor, sempre inventamos desculpas para segurar mais um pouco o relacionamento que claramente terminou? O medo de ficar só toma conta de Celeste e ele também a impede de começar um relacionamento com o homem que faz yoga para conhecer mulheres. Deixar o outro seguir é complicado demais quando estagnamos no medo.

Celeste e Jesse para sempre é o puro reflexo de diversos casais que encontramos em nosso cotidiano. Sem deixar de lado os coadjuvantes, os amigos que sempre tentam nos alertar sobre tudo que está acontecendo e que racionalmente não conseguimos compreender. O filme nos faz refletir sobre estar presente na vida de quem significou algo para nós. É saber que mesmo não sendo um casal, o estar presente é o sentimento de respeito que fica após o término. O impor a presença que era tão intenso  finalmente abre espaço para a permissão. Cabe a reflexão: você quer estar presente ou impor a sua presença na vida de quem lhe ama?

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