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Você deseja ir além do seu labirinto?



A arte de um modo geral nos faz refletir sobre o que somos. Ela nos toma de alguma forma, às vezes, de uma forma tão especial que provoca inquietações mais intensas. Nos causa tamanha empatia com a vivência dos protagonistas que nos tornamos um dos personagens. Westworld é uma série de terror e ficção científica que aborda a revolução das máquinas e como elas podem se aproximar cada vez mais do ser humano. Não é a toa que os anfitriões possuem personalidades distintas e modificam ao longo das duas temporadas. Dolores era uma donzela indefesa que servia aos visitantes. Os humanos pagavam caro para desfrutarem dos prazeres do parque e serem levados ao limite. Não existem julgamentos até porque a liberdade é o que os move e instiga trazendo uma sensação momentânea de perigo, mesmo que ela não seja real. A série nos questiona a todo momento. Trazer o contexto para o mundo real faz todo sentido. Somos tão fascinados pelo virtual que como o temido Homem de Preto esquecemos da realidade. O parque da série é sinônimo de fuga dessa realidade. Estamos vendo beleza no cotidiano? O índice de suicídio cresce de forma preocupante a cada ano. O vazio toma conta e a fuga para o mundo virtual tornou-se inevitável.

A nossa vida é como uma narrativa. Não sabemos quando ela vai acabar. Sabemos o início. Vivemos o meio. Ford na série, o Deus que modifica os anfitriões, em determinado momento insere pequenos gestos em suas criaturas, os chamados devaneios. Eles são fixados para aprimorar cada vez mais os robôs, tudo para chegar próximo do comportamento humano. Os devaneios na série começam a inteferir diretamente na narrativa dos anfitriões. Pense no ser humano: nossos devaneios não são como falhas ou aperfeiçoamentos dentro da nossa narrativa? Se algo nos incomoda tentamos refletir sobre o que está por vir. Mudamos o nosso ciclo/loop. Saímos do que estava programado. Somos donos de nossa narrativa. Muitas vezes precisamos entrar em modo de análise. Quando algo foge da rotina, o que fazemos? Tentamos compreender e seguir outros planos. Os devaneios são acontecimentos inusitados que nos fazem mudar de direção. Mudar quase sempre é sinônimo de recomeço. 

Na série, Arnold, um dos sócios de Ford na construção e idealização do parque, nos mostra o conceito da mente bicameral. Uma voz interior que guiava os anfitriões, uma voz interna que poderia assumir uma forma de consciência. Sabe aquela voz interior que fica martelando e nos instigando para chegarmos ao que naquele momento poderia ser o correto? A voz está lá, mas e as adversidades? E os percalços da vida? Pode ser o surgimento de uma doença incurável ou simplesmente o fato da voz estar imersa em um vazio depressivo. Quem nos guia realmente? A voz da consciência segue um padrão de moral e ético.  Quando os devaneios são inseridos e somos tentados a nos afastamos dessa voz, somos punidos e julgados por nossos semelhantes. O desvio de bens materiais, o desvio da moral, o desvio da ética. No parque tudo é possível. Usar os anfitriões da pior maneira, como meros objetos é moralmente aceitável .a pergunta que fica é: existe limite na ausência de obstáculos internos?


Dolores, a bela donzela, que sempre espera o caubói Teddy chegar em um belo cavalo, escuta um voz. A voz interior diz : " Lembre-se.". Sempre temos uma voz interior que nos faz recordar do passado. Lembranças boas, outras nem tanto, mas elas nos completam. Somos esse conjunto de lembranças. Ao lembrar de acontecimentos passados, Dolores aos poucos deixa de ser a bela donzela e literalmente toma às rédias de seu destino. Apesar dela afirmar que ela é dona do próprio destino. Bernard propõe para Dolores um jogo. Se ela conseguir chegar ao final do Labirinto, ela ganha a liberdade. Sempre no decorrer da série Billy/ Willian / Homem de Preto cruza no caminho de Dolores. Quando O Homem de Preto encontra anfitriões, ele diz : " Estou aqui para liberá-lo.". Quantas vezes encontramos pessoas que marcam nossas vidas? Para o bem ou para o mal. Elas são tão marcantes que nos modificam de maneira impactante. Ao que tudo indica, Dolores e William são duas faces da mesma moeda. Mas quando jogamos não sabemos qual face irá nos revelar. Em Westworld não existem mocinhos e bandidos, assim como na vida real. Por diversas vezes somos papeis diversos. Estamos sempre procurando chegar ao final do Labirinto. A mudança desses papeis se faz necessária. Na primeira temporada Dolores encontrou o Labirinto, uma consciência que a tornou mais forte e livre. 

Ao longo da vida somos os mais diversos anfitriões. Somos a mocinha, o bandido, o maior vilão.... Somos várias máscaras em determinadas situações. Não somos programados, mas na era virtual mudamos nossa postura. Não andamos mais com a cabeça erguida olhando para o horizonte, ela está constantemente inclinada para a tela de um celular. Somos anfitriões desinteressantes. O anfitrião alheio desperta inveja e interesse. Um perfil no facebook, uma foto com filtro no Instagram.... Tudo parece tão fascinante, mas ao mesmo tempo intangível. Sei que as inquietações da primeira temporada de Westworld proporcionaram esta reflexão gigantesca. Para os tempos virtuais, provavelmente este artigo será o menos acessado do blog. Para os leitores queridos do Caos que chegaram até aqui fica a reflexão: você deseja ir além do Seu Labirinto?".

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