Pular para o conteúdo principal

Um protagonista encantador (Jonas e o Circo sem Lona)


Uma aluna da escola de Jonas indaga: "Você não estuda, só fica aqui parado e comendo. Que belo documentário!". Apesar do tom irônico da jovem, sim, Jonas e o Circo Sem Lona é um belíssimo e tocante documentário sobre um jovem sonhador de traços indígenas. Entre a casa e a escola, o espectador se encanta com persistência de Jonas que deseja continuar a jornada de seus parentes. Alguns ainda vivem do circo, aquele que não tem parada fixa, somente um caminhão e o chão da estrada. A mãe de Jonas, no terceiro ato, perto do desfecho reflete : " Sei que o desejo de Jonas é viver do Circo, mas quero que ele estude. Sei que não posso segurá-lo por muito tempo, mas enquanto eu puder, ele fica comigo". 

É difícil distinguir onde começa e termina os atos do documentário porque a diretora Paula Gomes simplesmente acompanha o cotidiano do adolescente. A vontade e o comando de Jonas ao ensaiar e tomar para si o Circo improvisado nos fundos de sua casa reforça a ideia de brincadeira com toques realísticos. Todos os jovens que acompanham Jonas vivem o mesmo dilema: a preocupação dos pais com os demais afazeres. Colocar o Circo de pé é a preocupação e o real sonho de Jonas, já os demais amigos logo desistem de embarcar nesse sonho. 

Jonas é um adolescente encantador que vive em um mundo paralelo. Um mundo que ele tem a persistência em criar e impacta de forma artística o cotidiano da pequena cidade do interior baiano. Após ser abandonado pelos companheiros de Circo, uma menininha pergunta para a mãe do jovem se vai ter espetáculo. A resposta negativa frusta a garota. Jonas sabe o que deseja e talvez tenha noção do impacto que causa na vida simplória das crianças sem muita opção de entretenimento. É comovente ver como Jonas prepara todos os ingressos, os pequenos improvisos e o comprometimento em seguir os pontos da apresentação detalhados em um pedaço de papelão.


A câmera acompanha o cotidiano do jovem sonhador de sorriso largo e repleto de sentimentos, mas também contrasta com a preocupação dos adultos ao redor do protagonista. A mãe sempre alerta o filho para os estudos e a professora deixa claro que ele "atua" para as câmeras, quando não estam filmando, ele simplesmente larga os estudos. A tristeza toma conta do documentário quando Jonas é impedido de seguir com o Circo do tio. A justificativa é compreensível e sensibiliza ainda mais o espectador: ele quer ao menos dar um desfecho digno para o documentário. Os companheiros o deixaram só. Jonas quer que o espectador o veja no seu habitat natural. Um circo real, não o improvisado.

Jonas e o Circo Sem Lona é um documentário que mescla realidade e sonho. A realidade da vida simples da mãe de Jonas que vende roupa íntima e liga para "lembrar" os pagamentos das clientes que a deixaram na mão. Realidade da dificuldade que a avó tem em não deixar os sonhos do neto acabarem quando existem dificuldades. E o sonho que aos poucos vai se perdendo quando confronta com a dura realidade da vida adulta. Jonas fala perto do desfecho ao conversar com a diretora que não quer passar vergonha. Ele não conseguiu montar o Circo, mas o que Jonas não percebe é que o objetivo do documentário é apresentar um estudo de personagem tão encantador que vai além do picadeiro movido pelo entretenimento circense.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...