Vazante, o mais recente filme da diretora Daniela Thomas (Linha de Passe e Terra Estrangeira) preza pelo poder das imagens e som. O roteiro escrito por Daniela e Beto Amaral prioriza o poder da fotografia de Inti Briones. A contemplação das imagens dizem muito sobre a trama em si. O som das correntes arrastando, os escravos dividindo espaço com os animais, a inocência de uma jovem que ganha do marido bem mais velho uma boneca de presente e a descoberta previsível do primeiro amor. Tudo é envolto por um roteiro simples para que o espectador fique imerso na atmosfera de uma fazenda decadente do início do século dezenove.
A família de Antônio (Adriano Carvalho) se entrega ao luto pela perda da esposa e criança, ambas morreram no parto. Após um período de olhares voltados para o vazio da dor, o dono da fazenda se encanta pela pequena brincadeira que a sobrinha Beatriz (Luana Nastas) faz com seu par de sapatos. Não demora e o casamento é realizado. O pavor da jovem ao ter que se entregar para um homem mais velho encontra conforto no escravo Virgílio (Vinicius dos Anjos). E, assim, a trama ganha força pelo poder de cada imagem e som projetados na tela.
Logo no início do primeiro ato, o espectador sente o sufocamento ressaltado pelo plano fechado e o som intenso das dores do parto vivida pela esposa de Antônio. A chegada dele na fazenda possui um ritmo lento e repleto de planos abertos para explorar devidamente a atmosfera da região, a Chapada Diamantina, em Minas Gerais. Os elementos narrativos como direção de arte e figurino remetem imediatamente o espectador para o início do século dezenove.
Na ausência dos diálogos o poder também fica nas mãos dos atores. O olhar vazio de Adriano Carvalho intercala com a perda da inocência e drama vividos por Luana Bastas. Os conflitos apresentados na trama ganham intensidade gradual na interpretação naturalista de Luana. Outro aspecto importante retratado é a imersão na cultura africana. Os escravos extravasam através do canto e danças as dores da escravidão. A submissão feminina é apresentada durante todo o filme. Na composição da mise-en-scène em que Antônio visita Bartholomeu, os homens almoçam enquanto as mulheres ficam fora da mesa. A escrava que é explorada não somente no trabalho brasal, mas também no sexual.
Vazante provoca impacto no espectador em cada cena. A fotografia em preto e branco reforça o poder transmitido pelas imagens. O som representado pelas correntes contrasta com o som da natureza. A interpretação dos atores em cena ganha intensidade pelo olhar que transmite inocência, pureza, luta e dor. Daniela Thomas explora a diferença de classes, o preconceito e a condição da mulher em forma de contemplação no poder presente nos elementos narrativos.
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