Pular para o conteúdo principal

A dualidade desfocada que acompanha armando (De Longe te Observo)



A primeira cena do filme de Lorenzo Vigas, De Longe Te Observo, centraliza o protagonista de costas e insere o espectador imediatamente no olhar desfocado de Armando. A vida cotidiana do personagem ao realizar próteses dentárias é intercalada pela observação de jovens delinquentes que trocam uma certa quantia em dinheiro para deixar o protagonista satisfazer seus impulsos sexuais apenas os observando. Armando é introspectivo e no momento que analisa Elder, a relação de ambos ultrapassa a mera observação. 

No decorrer da trama o espectador não sabe ao certo as motivações dos personagens e esse aspecto torna o filme mais intenso para o público. O que faz do ganhador do Leão de Ouro ser tão interessante? Um dos aspectos primordiais são as interpretações de Alfredo Castro e Luis Silva. A personalidade de ambos se completa de forma contraditória e precisa. A experiência de Alfredo evidencia o contraste perfeito envolto pela naturalidade e brutalidade de Luis. O olhar do protagonista guia o espectador durante todo filme nos permitindo alimentar constantemente a dúvida sobre as reais motivações de Armando. A postura do ator ereta e com poucos movimentos transparece a introspecção do protagonista. O foco é o olhar que revela em vários momentos a dualidade do personagem. A personalidade forte do jovem ator causa um choque intenso e equilibra as emoções de Armando e Elder. O jogo de cena conduzido por Lorenzo Vigas reforça não somente o simbolismo do olhar penetrante de Alfredo, mas também a intensidade de Luis. 

A fotografia de Sergio Armstrong reflete perfeitamente a personalidade de Armando. Quando o protagonista leva o jovem Elder para seu apartamento, a paleta de cores é quente reforçando a aproximação da relação entre os personagens. A mise-en-scène também destaca a chave fundamental  que impulsiona a trama: o olhar. Elder se posiciona em cena de forma mais aberta e espontânea, sempre querendo se aproximar, mesmo que encontre a resistência de Armando.
   

O roteiro preza pela frieza e jovialidade na trama. Aos poucos o espectador se envolve pela falta de perspectiva de Elder que nutre na figura de Armando um cuidado fraternal que não teve na infância. Ambos possuem traumas que são explícitos de forma distinta. Elder é a brutalidade repleta de carinho e Armando esboça traços de sentimentos com frases soltas. O pouco que sabemos sobre o arco do protagonista é reflexo constante de sua personalidade retraída. Os elementos narrativos convergem sempre para a observação do protagonista. Mesmo que o roteiro de Lorenzo Vigas e Guillermo Arriaga não explore o contexto de um trauma envolvendo o protagonista, não causa ruídos para o espectador o fato de não saber ao certo as motivações de Armando.

O que move o filme é a incerteza das ações dos personagens. Mesmo que o protagonista se afaste  de todos, o pouco de afeto que nutre por Elder se desfaz sempre que o jovem tenta uma aproximação. A atração do protagonista está na potência de seu olhar penetrante que envolve o espectador a cada cena. Por mais que ele queira e demonstre minimamente um interesse, o desfecho foca novamente na dualidade que persiste em caminhar desfocada no caminho Armando.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...