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Superando medos e preconceitos



Selton Mello, em entrevista concedida para o site Adoro Cinema, relatou que não pagaria ingresso para sentir o desconforto do medo. Concordava plenamente com o ator até conseguir ver qualidades e boas tramas que fugiam simplesmente do susto vazio. Como nos debates entre Blockbusters e filmes independentes, dentro do gênero de terror existem os filmes de medo previsível e aqueles que me fizeram refletir sobre a qualidade do medo que eu poderia sentir dentro do cinema.

Evitava ao máximo o gênero porque me sintia extremamente desconfortável vendo filmes de terror. O desconforto é relativo e como em outros gêneros chega ao espectador de diversas maneiras. Alguns gostam tanto que riem com o medo que sentem. Outros, assim como eu, não conseguem ver certas cenas. Comecei a refletir durante um bom tempo no quanto de "vivenciar" a experiência eu estava perdendo ao praticamente vendar meus olhos ao escutar a marca registrada da trilha sonora mais pulsante. O fato de vendar os olhos também reforça a experiência com o gênero, mas eu tinha certeza que estava perdendo outros elementos narrativos e minha visão crítica ficava prejudicada o suficiente e não conseguia fazer uma crítica detalhada sobre determinado filme. 

O trauma foi grande o suficiente para uma criança de dez anos. Assistir O Exorcista e se identificar com uma garotinha indefesa foi extremamente delicado. Não apreciei em hipótese alguma ficar noites em claro com medo e tendo a certeza absoluta que tudo era tão real (quando a trama é baseada em fatos reais, o medo duplica). Depois de realizar uma pesquisa anos mais tarde e descobrir que a mesma aura que me fez acreditar que o E.T. de Steven Spilberg existia, como acreditar que os efeitos especiais do clássico do terror eram tão simples? Uma equipe que fazia a cama tremer com chutes e com a mesma intensidade me faz tremer de medo até hoje? Como acreditar que era simplesmente uma sopa de ervilhas? Tudo era real e continua sendo real (o que torna a experiência mais fascinante ainda), o que evidencia o gênero ao patamar de um drama ou comédia.


No ano passado um filme em particular me chamou a atenção para a importância dos elementos narrativos dentro do gênero de terror. A atmosfera e trilha sonora (ou a sua ausência) são essenciais e A Bruxa me fez olhar, pelo menos as partes que consegui, com um olhar diferenciado a importância do gênero. Após a Bruxa, a atmosfera dentro da narrativa tornou-se um aspecto fundamental nos demais filmes que assistia, e assim, as peças de um intenso quebra- cabeças se encaixava e o terror já não era tão assustador quanto parecia ser. Um leque de possibilidades e experiências interessantes tive até o momento. Corra! foi uma grata surpresa. Ao Cair da Noite foi igualmente gratificante. E não é que o remake de It: A Coisa, me fez permanecer com os olhos abertos e perceber o retorno da essência dos clássicos de Stephen King para a sétima arte?

O cinema é feito de sensações. Ele atinge o espectador pelo toque da dramaticidade e a leveza da comédia. São sensações que nos envolvem o suficiente para que o filme reberbere por muitos anos e se torne um clássico. Com a mesma intensidade, mas com o desconforto que faz parte da experiência, O Exorcista é tão impactante quanto Cantando na Chuva. Ah, o preconceito com os musicais... Fica para outro artigo... 

   

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