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" Explicação... não tem... não tem..." (A Torre Negra)


A Torre Negra, adaptação de uma série de livros e HQs de Stephen King, chega aos cinemas com uma aura dúbia: os fãs das obras podem criar expectativas para o filme ou devem ir livres de qualquer empolgação? Expectativas podem atrapalhar a experiência do espectador com a narrativa. Independente da euforia dos fãs, o fato é que a trama pode despertar momentos de sono profundo e mesmo sem conhecer o conteúdo da adaptação, não tenho dúvidas em afirmar que o filme está bem distante da qualidade da escrita de King.

O ritmo do primeiro ato é lento pela necessidade em ambientar o público no mundo paralelo que vive o jovem Jake Chambers. Envolto aos constantes pesadelos e desenhos, o protagonista tenta superar com o auxilio de um terapeuta o trauma da perda do pai. A lentidão se estende ao longo de toda a trama e mesmo com uma temática instigante, o filme peca constantemente ao tentar desenvolver o arco dos personagens. Quando o jovem compreende que pode transitar por diversos mundos e que possui um dom diferenciado, a narrativa torna-se monótona. O que poderia proporcionar ritmo ao filme, não o faz sair do lugar. As cenas não ganham impulso a medida que a trama se desenvolve. Seria interessante explorar o potencial de Jake, mas o filme ao mesmo tempo em que proporciona uma faísca de interesse no espectador, logo ela se apaga com cortes abruptos. 

É compreensível a naturalidade / imaturidade na atuação de Tom Taylor (IV) e o distanciamento que Idris Elba proporciona ao Pistoleiro. O problema é que esse distanciamento é consequência direta da falta de química entre os atores. Mesmo que Roland relute em estabelecer laços de afeto, o fato do entrosamento da dupla ter significado somente no terceiro ato prejudica consideravelmente a narrativa. O tom cómico que funciona em diversos momentos próximo do desfecho poderia ser explorado com doses homeopáticas no decorrer do filme. A motivação fraca de Walter O´Dim, interpretado por Matthew McConaughey, sempre deixa a sensação de que os poderes do vilão são desproporcionais ao que eles realmente podem ser. O confronto final entre Roland e Walter (o roteiro enfatiza nos três atos que ele irá acontecer) é um exemplo claro de que o vilão se porta como vilão, mas quando realmente deveria mostrar intensidade, não empolga e o clímax se estende dentro do automático. 
   

Se os cortes são abruptos proporcionando duplamente a falta de ritmo e o desinteresse no espectador, o que dizer da trilha sonora? Com a mesma facilidade que ela acompanha a "jornada" da dupla, ela simplesmente desaparece sem o devido desenvolvimento. Não existe um tema específico para os protagonistas, e sim, vários temas para todas as cenas. Se o espectador piscar, já tem uma trilha pronta para o despertar do sono que inevitavelmente irá chegar. De difícil compreensão é a direção solta de Nikolaj Arcel. Como a mão precisa do excelente diretor de O Amante da Rainha consegue entregar ao público uma trama sem coesão e entediante?

Não é de hoje que Stephen King avalia a adaptação de suas obras para os cinemas. De tempos em tempos, o autor de clássicos do terror, sempre encontra um meio de ressaltar a versão "diferenciada" e "equivocada" do diretor Stanley Kubrick para o cultuado filme O Iluminado. Se King critica um dos mestres da sétima arte, não consigo imaginar o estado em que ele se encontra após ver a adaptação de A Torre Negra. O resultado da trama? Como Cássia Eller cantou  : " Não tem explicação. Explicação.... não tem... não tem...".


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