Existem filmes que merecem ser revistos de tempos em tempos e se
possível nos cinemas para que a experiência seja completa. Minha relação com o
Clássico, 2001- Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, não foi tão
impactante. Estava com meus quinze anos e ao final do filme, eu tinha
somente uma única impressão: de ter visto algo realmente inusitado. Comecei a
ler muito sobre o filme e o alvoroço causado na época em que foi lançado.
Kubrick não fazia filmes, como perfeccionista nato, ele conseguia realizar
obras primas e com 2001 não foi diferente.
Com os serviços de streaming, eu teria a oportunidade de rever o
Clássico em casa, mas quando soube que o filme passaria nos cinemas, não tive
dúvidas: precisava vivenciar cada cena na tela grande. Foi no dia trinta de
maio, às vinte horas, em uma sala maior do que o esperado. Quando o tema de abertura tocou e o filme
começou, não pude conter a emoção em realizar o sonho de quase todo cinéfilo
e os olhos ficaram marejados, uma mistura de sensações. Não é toda semana que
você pode ver o filme do seu diretor preferido e foi realmente difícil escrever algo mais técnico em meu bloquinho de anotações porque era preciso combater o duelo do racional com o emocional.
Apesar de saber tudo que iria acontecer, a experiência foi repleta de significados. O contato sensorial e visual ganhou
proporções gigantescas. As cores e o perfeccionismo de Kubrick tomaram outras
dimensões. O Clássico continua lento, mas é na lentidão que sentimos os questionamentos que a obra prima proporciona ao espectador. A cada
momento me sentia como o próprio macaco que-vigia- a- lua, termo utilizado na
obra de Arthur C. Clarke. O
deslumbramento com tudo que era projetado foi inevitável.
A famosa cena do salto para uma nova era, onde os humanos conquistam
o espaço, me proporcionava o começo de uma bela valsa espacial. O visual, a
trilha sonora e o domínio da câmera de Kubrick tomavam conta do cinema. O
silêncio era ensurdecedor e necessário para que cada espectador sentisse o
significado do Clássico. Era uma
tríade repleta de conexão entre filme, nostalgia e sentimentos.
Sempre que o monolito aparecia, uma nova forma de comunicação e um
ritual de passagem era estabelecido. A perplexidade dos macacos / humanos
mesclada com novas possibilidades de sobrevivência marcavam os atos de
2001. Tudo para o diretor deveria ser sentido aos poucos pelo espectador e a
minha experiência a cada ato tomava novas reflexões. Com rimas visuais,
como o osso jogado pelos macacos e a caneta no ambiente vivenciado pelos
humanos dentro da nave, essas rimas se encaixavam perfeitamente dentro da
proposta que Kubrick almejava. O contraste do branco com as cores quentes aproximava o espectador e fixava meu olhar para a tela sempre voltado também para a
profundidade de cena. Já dentro da nave, eu tinha um objetivo: observar os detalhes da mise-en-scène. A simetria com que Kubrick posicionava a câmera,
os objetos e atores eram uma aula de cinema para todos presentes.
Os diálogos eram poucos e precisos para estabelecer a comunicação
essencial entre os tripulantes da nave. Interessante perceber o jogo das palavras para camuflar a epidemia que o governo
precisava esconder mesmo sabendo que algo estranho estava acontecendo. Vale ressaltar como o poder do silêncio dentro de um filme onde a trilha sonora é tão impactante, se faz primordial em várias cenas significativas. Quando Hal faz uma
leitura labial dos astronautas ou quando desconecta um deles e provoca a morte
Dr. Frank, o silêncio torna-se o protagonista da cena. Mais uma vez, Kubrick
sugere que fiquemos imersos no filme para sentimos todo o contexto da cena.
Toda experiência era fascinante e pude vivenciar até o intervalo
dos filmes Clássicos. Após uma pausa de vinte minutos, o filme retornou dentro
da tensão existente entre criador e criatura. Dr. David tentando voltar a nave
e Hal impedindo. Ele sabia que o retorno significaria a morte. Essa cena dialoga com o primeiro ato, onde os macacos descobriam formas de sobrevivência e uma raça
dominava a outra. Aqui podemos perceber o conflito entre máquina e ser humano ao estabelecer uma ligação entre os atos. O roteiro preciso de Kubrick e Arthur C.
Clarke provoca questionamentos que nunca foram tão atuais. As máquinas já
nos dominaram ou ainda temos o controle da situação? Em 1968, tudo parecia novo e
fascinante, mas agora tudo ganha proporções assustadoras.
Após Dr. David entrar no buraco de minhoca, que serviu de
referência para vários filmes de ficção científica, não pude conter novamente
minha emoção ao poder presenciar de maneira intensa e única a imersão nas cores
vibrantes de 2001. Por alguns minutos nos colocamos no lugar do protagonista e
vivemos a experiência sensorial. Mais uma vez Kubrick pensava no contato direto
da obra com o espectador.
Já próximo de um dos desfechos mais belos da sétima arte,
Kubrick dialoga mais uma vez e insere o espectador no campo filosófico de 2001.
Dr. David observa o ciclo humano e suas fases. O envelhecimento e o feto. Um
ciclo que se renova. O que senti após o término da sessão? Minha
experiência foi única dentro do que pude analisar novamente
revendo o Clássico. Novos significados vieram junto com o amadurecimento da
idade. Se achei que estava vendo algo aparentemente inusitado com meus quinze anos,
vocês podem imaginar o que senti agora após décadas. 2001 possui intensos significados e interpretações para quem o assiste, mas algo é intocável
dentro da obra: a realização de um filme atemporal que
ficará no imaginário de muitas gerações.
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