Pular para o conteúdo principal

Um filme sensorial (Ao Cair da Noite)


A narrativa de Ao Cair da Noite envolve o espectador como um todo, mas dois elementos se encaixam como uma luva dentro da trama: a direção segura de Trey Edward Shults e a atmosfera gerada para causar tensão no público. Elas duelam com os demais elementos e em vários momentos são as protagonistas. O roteiro não explora muito sobre a família do protetor Paul. Sabemos somente que eles vivem isolados e evitam contato com outras pessoas para não serem contaminados. Após a perda de um ente querido, a vigilância torna-se mais rigorosa. Um estranho invade a casa e Paul o questiona sobre suas motivações. Ambos são movidos por uma força maior: proteger os que mais amam. 

Com um jogo interessante de luz e sombra, reflexo do posicionamento dos atores na mise-en-scène, closes ao focar a tensão na interpretação de cada membro das duas famílias e os ângulos diferenciados com que Trey explora o cenário fazem a trama ganhar corpo no decorrer dos atos. O espectador imediatamente é mergulhado na ausência de luz dentro do cenário e os takes aumentam a nossa percepção do medo dentro e fora da casa. Todos os elementos narrativos combinados entre si causam a sensação de claustrofobia nas famílias e,consequentemente, no espectador.


Quando a narrativa explora o ambiente exterior da casa, o cuidado com a fotografia e a mudança com uma trilha sonora mais vibrante são primorosos. Todas as mudanças nos elementos narrativos corroboram para acrescentar tensão e mergulhar o espectador para dentro do filme. O foco centralizado nos protagonistas e os planos fechados sugerem uma ideia de aprisionamento constante dos personagens. 

No final do terceiro ato, o diretor instiga o espectador com um desfecho reflexivo e aberto que dialoga com o fato de sabermos pouco sobre os personagens. O foco da narrativa é o arco do jovem Travis. Ele é o fio condutor da trama. Dessa forma, o trabalho de Kelvin Harrison Jr. tem propósitos específicos para a trama: conduzir o espectador pelos cômodos da casa e intensificar a conexão com o público. Acompanhamos o desenrolar do roteiro pelos olhos e respiração sufocada do personagem.

Ao Cair da Noite é um filme que vai além do terror, ele não se encaixa no gênero clássico por não proporcionar os aguardados jumpscares que muitos podem esperar. O interessante da narrativa é justamente o contrário, nos fazer mergulhar no psicológico dos personagens. O filme não possui respostas prontas e sempre provoca o espectador com indagações pertinentes. O que você faria em um mundo pós- apocalíptico onde a busca pela sobrevivência é o primordial? Você arriscaria a vida de entes queridos para poder ter um vislumbre de interação e contato humano? O que você faria para proteger o que restou de significado para a vida simplesmente continuar? Atitudes extremas são justificáveis? Essas são algumas das indagações que o roteiro proporciona ao espectador, a busca por respostas está presente em cada um. Mais do que se encaixar em um gênero específico, Ao Cair da Noite é acima de tudo um filme sensorial. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...