O cinema argentino proporciona ao
espectador filmes excelentes e tramas, quando bem conduzidas, de qualidade
primorosa. Infelizmente, Neve Negra, do diretor Martin Hodara, não
se encaixa nesse contexto. A trama possui todos os elementos para uma narrativa
envolvente, mas não proporciona o envolvimento necessário ao público. Como um
quebra- cabeça, as peças deveriam se encaixar aos poucos, porém, o que se
observa são peças soltas que distanciam a cada ato o espectador da trama.
Com a morte do pai, Marcos tenta
adiar o inevitável: reencontrar o irmão Salvador e acertar desavenças do
passado que deseja esquecer. Logo no começo do primeiro ato, a trilha sonora de
Zacarías M. Riva proporciona ao espectador a primeira peça que não se encaixa
no quebra-cabeça. A trilha acompanha a narrativa por diversos momentos. Fica
nítido a intenção do compositor em envolver o espectador proporcionando a
atmosfera de tensão que o filme necessita, mas o resultado é justamente o
oposto. O elemento narrativo aparece excessivamente causando desconforto ao
longo do filme.
Outra
peça do quebra - cabeça fundamental para o ritmo e compreensão da trama é a
edição. Como Neve Negra é um filme repleto de flashbacks, a edição estabelece a
conexão do espectador com os eventos e o desenrolar da trama.Por vários
momentos a opção em conduzir e estabelecer diversos cortes ao longo dos atos causa ruídos. A narrativa proporciona ao público a sensação de interrupção e constante quebra
do ritmo nas cenas. O que poderia ser explorado de forma mais orgânica fica
extremamente pausado deixando a noção de estarmos diante de um filme arrastado
que ganha um pouco de agilidade somente no terceiro ato.
Uma das peças
relevantes é o roteiro que possui uma premissa interessante, mas no decorrer
da trama deixa pontas soltas e personagens ganham destaque sem ao menos serem
devidamente desenvolvidos. É o caso de Sabrina, a personagem é o fio condutor
dentro da narrativa, porém, como possui problemas psiquiátricos, somente aparece
na fase adulta em duas cenas. Seria mais propício e significativo para
o andamento da trama, somente focar na personagem adolescente. O mesmo acontece
com Sepia, que aparece raramente e ganha destaque no terceiro ato, mesmo não
tendo uma razão específica, pois o personagem não teve o desenvolvimento
necessário para tamanha importância dentro da narrativa. A opção por
desenvolver aos poucos momentos significativos com flashbacks seria
interessante se não fosse a mão pesada do diretor ao conduzir a trama.
As peças que se
encaixam no quebra-cabeça são os jovens que proporcionam ao espectador momentos
mais significativos e interessantes no filme. As reviravoltas do roteiro
possuem mais força pela atuação do quarteto juvenil. Outra peça fundamental é a
ambientação. A trama se concentra exclusivamente em uma casa com pouca
iluminação e o clima é reflexo do distanciamento dos personagens. Darín compõe
Salvador de forma introspectiva e monossilábico. Uma peça fundamental que
encaixa perfeitamente na atmosfera da trama.
Neve Negra poderia
ser uma trama envolvente se não fossem as escolhas equivocadas, principalmente,
ao dar relevância para personagens rasos e pouco desenvolvidos. O filme
proporciona ao espectador um jogo de quebra-cabeça onde as peças não se
encaixam como deveriam para que o suspense seja alcançado. O tabuleiro estava
pronto, as peças dispersas, mas ao chegar no desfecho, muitas delas ficam
soltas procurando um encaixe.
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