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O bem e o mal existente em todo ser humano (A Mulher que Se Foi)




A Mulher que Se Foi é um filme sobre a essência do ser humano. Dentro de nós existem duas forças que duelam, o bem e o mal, e podemos conviver tranquilamente com o equilíbrio de ambas. A partir do momento que algo acontece e mexe com nossas estruturas emocionais e físicas, uma dessas forças pode ganhar o duelo. No filme do diretor filipino, Lav Diaz, o estudo da personagem Horacia, sempre levanta esse questionamento presente no ser humano.


Após passar trinta anos na cadeia por um crime que não cometeu, a protagonista almeja vingança. Horacia deseja encontrar Rodrigo Trinidad, uma pessoa do passado e de uma vez acertar as contas com o que restou de sua trajetória. Durante as quase quatro horas de filme, o diretor tem a delicadeza em mostrar a essência da protagonista. O contato repleto de ternura com a filha e também com as diversas personas a margem da sociedade que lutam para sobreviver.


Com uma câmera estática focada nos personagens, o espectador conhece lentamente e com uma imersão poética, o retorno de Horacia ao mundo externo. No primeiro momento, Diaz explora o ambiente carcerário e a desilusão da protagonista ao refletir sobre a existência do significado da vida após ficar presa durante tanto tempo. Todos os sentimentos da personagem necessitam de tempo para serem sentidos e apreciados. Dessa forma, o diretor deixa a câmera e os personagens falarem por si. A intensidade da imagem é mesclada com a simplicidade da mesi – em – scène. Simplicidade extremamente dominada e que dialoga perfeitamente com a riqueza do arco dos personagens.



Interessante perceber como o diretor faz o espectador refletir sobre a generosidade da protagonista. O duelo entre o bem e o mal sempre está presente, mas um prevalece sobre o outro, a medida que Horacia se faz presente na vida dos coadjuvantes. O trabalho da atriz Charo Santos - Concio é de um contraste contido. Percebemos que existe uma mulher vazia por dentro que perdeu todo o sentido para continuar vivendo, mas que aos poucos é movida pelo bem e consegue seguir em frente ajudando quem necessita de cuidados e atenção. 

Na narrativa o espectador possui tempo suficiente para sentir todas as angústias  e compreender cada atitude dos personagens. Tudo necessita de tempo para ser apreciado. E a apreciação está inserida no cotidiano. Os personagens transitam dentro da casa da protagonista ou na rua onde trabalham de uma maneira orgânica, o que eleva o significado da trama. A simplicidade com que é transmitida a mensagem ao espectador ganha grandeza nas mãos de Lav Diaz. O cotidiano se transforma em poesia pelas imagens em preto e branco e o contraste de luz e sombra. A fotografia torna tudo mais intenso e profundo. Todas as transformações vividas pela protagonista e os coadjuvantes são sentidos pelo público no momento certo trabalhado com delicadeza dentro do roteiro.

A Mulher que Se Foi é uma trama sensível, poética e intensa ao explorar a dualidade existente em cada ser humano. O bem e o mal andam de mãos dadas. Até a metade da narrativa, a protagonista era movida pela vingança, mas o contato com o outro e a possibilidade de um recomeço, mesmo que imperceptível aos olhos de Horacia, nos faz analisar que uma força pode adormecer a outra e nos motivar a continuar, mesmo que seja dentro de círculos que podem com o tempo perder o significado.














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