A questão era delicada e exigia muito esmero. Como ser fiel ao
clássico A Bela e a Fera dos estúdios Disney e realizar um remake live-action
da animação? Após assistir Mogli - O Menino Lobo, que levou o Oscar de efeitos
visuais este ano, não tive dúvidas que o estúdio teria o cuidado necessário
para realizar a transformação sem prejudicar a aura da animação. Infelizmente, o que temos é um filme de altos e baixos que explora
novos aspectos sem preservar a atmosfera do clássico.
No primeiro ato do filme conhecemos um pouco mais de
Bela, uma jovem diferente das demais que aprecia a leitura e é rotulada pelos
moradores da pequena aldeia francesa como estranha, apenas por querer explorar
outros mundos ao mergulhar seus pensamentos nos livros. Gastão deseja casar-se com a jovem, ele está longe de ser o pretendente que Bela almeja para ter uma família. Também somos apresentados ao pai protetor da jovem,
Maurice. No momento em que deixa a aldeia para caçar, o personagem é atacado por lobos
ferozes e acaba em um antigo castelo. Fera acredita que o pai
de Bela é um ladrão e o aprisiona. A protagonista estranha a demora de Maurice e ao encontrar o pai decide trocar de lugar com ele.
Agora, ela é a prisioneira. E, assim, o clássico está de volta. O primeiro
contato que o espectador tem com a Fera já revela algo que irá acompanhá-lo
durante toda a sessão: a precariedade dos efeitos visuais utilizados para dar vida ao protagonista.
Os aspectos positivos do filme são a reconstrução do castelo nos
mínimos detalhes e os "moradores" dele. No momento que temos contato
com o ambiente, a direção de arte nos transporta imediatamente para a animação
e somos tomados pela nostalgia. A narrativa engrandece a medida que Lumière,
Madame Samovar, Cadenza, Fifi, Agathe e Cogsworth envolvem os espectadores com
a magia dos objetos do castelo. Todo o elenco consegue captar a essência de
cada personagem, com destaque para Ewan McGregor. A cena em que Lumière
prepara o jantar para Bela é tão impactante quanto a animação de 1991. O
musical é elaborado de tal forma que presta uma bela homenagem ao personagem e
resgata a aura do desenho. O filme cresce com a presença dos coadjuvantes.
O roteiro inova em ir além e proporcionar ao espectador mais sobre
o arco da protagonista e a razão pela qual o pai a criou longe da figura
materna. Outro aspecto interessante é ressaltar de maneira sutil a
homossexualidade de LeFou. O enredo explora com toques de humor as falas do
personagem. A cena que Gastão é venerado por LeFou e por todos que moram na
aldeia, em especial pelas mulheres solteiras, intensifica no espectador a sensação
de ritmo diferenciado presente no filme.
A narrativa não consegue manter o ritmo necessário para prender a atenção do
espectador no decorrer dos atos. Esse aspecto fica evidente pelo trabalho
realizado na edição. O filme possui agilidade em certos momentos
quando os personagens estão somente voltados para o formato digital, a presença dos
coadjuvantes que moram no castelo proporciona ao filme o frescor da animação, o
problema é a interação de Bela com os objetos. A atuação de Emma Watson é
prejudicada pela direção de Bill Condon. A protagonista interage de forma
mecânica. A sensação que o espectador tem é de que a atriz está literalmente
contracenando com um fundo verde.
Os efeitos visuais quando os protagonistas estão em cena tiram a
beleza e essência presentes na animação de 1991. No desenho, a cena em que
ambos dançavam marcou por muitos anos a história das animações do estúdio. No
filme, a dificuldade que Emma Watson tem em transmitir leveza ao dançar com Dan
Stevens tira todo o encanto presente na cena. A dança não é orgânica e a ausência de fluidez nos
movimentos é consequência
direta dos efeitos visuais precários utilizados. Os atores não transmitem a
química necessária para que o espectador realmente acredite que Bela ama o
príncipe que existe dentro da Fera. No desfecho do filme fica claro que os
efeitos não são os únicos vilões que fazem o protagonista não ser tão
carismático quanto a Fera da animação. Stevens realiza um trabalho limitado ao
compor um personagem repleto de nuances e conflitos.
O remake live-action do clássico A Bela e a Fera se perde ao longo
dos atos. O espectador em determinados momentos é levado pela nostalgia da
animação, mas somente esse sentimento não faz o filme ser tão significativo
para a nova geração. São altos e baixos que marcam toda a projeção deixando uma
sensação de saudosismo eterno do clássico de 1991. A falta de ritmo entre uma
canção e outra e os efeitos visuais presentes na Fera fazem o filme perder a essência da obra original.
Somente a nostalgia do clássico não é capaz de fazer desse remake um filme tão
impactante quanto a animação de décadas passadas.
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