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Um filme que tenta resgatar a nostalgia do clássico ( A Bela e a Fera - 2017)



A questão era delicada e exigia muito esmero. Como ser fiel ao clássico A Bela e a Fera dos estúdios Disney e realizar um remake live-action da animação? Após assistir Mogli - O Menino Lobo, que levou o Oscar de efeitos visuais este ano, não tive dúvidas que o estúdio teria o cuidado necessário para realizar a transformação sem prejudicar a aura da animação. Infelizmente, o que temos é um filme de altos e baixos que explora novos aspectos sem preservar a atmosfera do clássico.

No primeiro ato do filme conhecemos um pouco mais de Bela, uma jovem diferente das demais que aprecia a leitura e é rotulada pelos moradores da pequena aldeia francesa como estranha, apenas por querer explorar outros mundos ao mergulhar seus pensamentos nos livros. Gastão deseja casar-se com a jovem, ele está longe de ser o pretendente que Bela almeja para ter uma família. Também somos apresentados ao pai protetor da jovem, Maurice. No momento em que deixa a aldeia para caçar, o personagem é atacado por lobos ferozes e acaba em um antigo castelo. Fera acredita que o pai de Bela é um ladrão e o aprisiona. A protagonista estranha a demora de Maurice e ao encontrar o pai decide trocar de lugar com ele. Agora, ela é a prisioneira. E, assim, o clássico está de volta. O primeiro contato que o espectador tem com a Fera já revela algo que irá acompanhá-lo durante toda a sessão: a precariedade dos efeitos visuais utilizados para dar vida ao protagonista.


Os aspectos positivos do filme são a reconstrução do castelo nos mínimos detalhes e os "moradores" dele. No momento que temos contato com o ambiente, a direção de arte nos transporta imediatamente para a animação e somos tomados pela nostalgia. A narrativa engrandece a medida que Lumière, Madame Samovar, Cadenza, Fifi, Agathe e Cogsworth envolvem os espectadores com a magia dos objetos do castelo. Todo o elenco consegue captar a essência de cada personagem, com destaque para Ewan McGregor. A cena em que Lumière prepara o jantar para Bela é tão impactante quanto a animação de 1991. O musical é elaborado de tal forma que presta uma bela homenagem ao personagem e resgata a aura do desenho. O filme cresce com a presença dos coadjuvantes. 

O roteiro inova em ir além e proporcionar ao espectador mais sobre o arco da protagonista e a razão pela qual o pai a criou longe da figura materna. Outro aspecto interessante é ressaltar de maneira sutil a homossexualidade de LeFou. O enredo explora com toques de humor as falas do personagem. A cena que Gastão é venerado por LeFou e por todos que moram na aldeia, em especial pelas mulheres solteiras, intensifica no espectador a sensação de ritmo diferenciado presente no filme. 

A narrativa não consegue manter o ritmo necessário para prender a atenção do espectador no decorrer dos atos. Esse aspecto fica evidente pelo trabalho realizado na edição. O filme possui agilidade em certos momentos quando os personagens estão somente voltados para o formato digital, a presença dos coadjuvantes que moram no castelo proporciona ao filme o frescor da animação, o problema é a interação de Bela com os objetos. A atuação de Emma Watson é prejudicada pela direção de Bill Condon. A protagonista interage de forma mecânica. A sensação que o espectador tem é de que a atriz está literalmente contracenando com um fundo verde. 



Os efeitos visuais quando os protagonistas estão em cena tiram a beleza e essência presentes na animação de 1991. No desenho, a cena em que ambos dançavam marcou por muitos anos a história das animações do estúdio. No filme, a dificuldade que Emma Watson tem em transmitir leveza ao dançar com Dan Stevens tira todo o encanto presente na cena. A dança não é orgânica e a ausência de fluidez nos movimentos é consequência  direta dos efeitos visuais precários utilizados. Os atores não transmitem a química necessária para que o espectador realmente acredite que Bela ama o príncipe que existe dentro da Fera. No desfecho do filme fica claro que os efeitos não são os únicos vilões que fazem o protagonista não ser tão carismático quanto a Fera da animação. Stevens realiza um trabalho limitado ao compor um personagem repleto de nuances e conflitos.

O remake live-action do clássico A Bela e a Fera se perde ao longo dos atos. O espectador em determinados momentos é levado pela nostalgia da animação, mas somente esse sentimento não faz o filme ser tão significativo para a nova geração. São altos e baixos que marcam toda a projeção deixando uma sensação de saudosismo eterno do clássico de 1991. A falta de ritmo entre uma canção e outra e os efeitos visuais presentes na Fera fazem o filme perder a essência da obra original. Somente a nostalgia do clássico não é capaz de fazer desse remake um filme tão impactante quanto a animação de décadas passadas. 


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