Pular para o conteúdo principal

Tramas paralelas e a ausência de um fio condutor (Lion)


Lion - Uma Jornada para a Casa nos apresenta uma trama focada no protagonista Saroo Bierley que vivia em uma vila pobre na Índia e ao insistir para sair com o irmão mais velho Guddu, o pequenino acaba dormindo na estação de trem e se perde. A jornada começa quando o personagem dorme em vários vagões e depois de muitos obstáculos permanece por um tempo determinado em um orfanato para crianças desaparecidas até ser adotado pelo casal australiano Sue e John. 

O primeiro trabalho do diretor Garth Davis é conduzido por escolhas equivocadas. O primeiro ato é explorado em um tom dramático, mas é dosado pela presença forte do pequenino Sunny Pawar que possui poucas falas e uma aura intensa que segura boa parte da trama equilibrando o enredo com suavidade. Acompanhamos os momentos difíceis de superação do protagonista ao passar fome e não saber como voltar para a casa. O olhar expressivo do ator mirim nos cativa logo nas primeiras cenas. Quando Pawar deixa o filme, o sentimento de vazio é inevitável. 

No momento em que Sarro cresce e Dev Patel toma a trama para si, o filme perde o tom, não pelo trabalho do ator que defende de forma interessante o personagem, mas por elementos narrativos que são utilizados de forma excessiva. Os takes aérios que remetem às imagens presentes na busca pelo google sempre aparecem em momentos para dar leveza e continuidade na trajetória do protagonista, mas o recurso é utilizado sucessivas vezes e no começo do terceiro ato não absorve o mesmo impacto realizado no começo do filme. 


A busca pela identidade do protagonista envolve o espectador até a metade de segundo ato, mas perde força ao utilizar rimas visuais e flashbacks previsíveis. Sempre que Sarro acredita estar perto de uma nova busca pelo site Google, a decepção ganha um aspecto negativo afetando o psicológico do personagem e a trama fica totalmente fora do tom apresentado no primeiro ato. A impressão que se tem é que o espectador está diante de duas narrativas distintas. Dev Patel se esforça ao extremo para explorar o personagem, mas em determinado momento o público se sente fatigado com o tom arrastado apresentado na trama, motivado principalmente pela montagem que explora cenas repetidas e que não acrescentam no ritmo da busca pela família do protagonista. 

Lion- Uma Jornada para a Casa possui os aspectos que se encaixam na indicação para a categoria de melhor filme no Oscar: baseado em fatos, uma trama tocante que explora o estudo de um personagem forte o suficiente para envolver o espectador e um enredo voltado para a superação com boas doses dramáticas. A narrativa poderia ser mais intensa se não fosse a mão pesada de Davis e a montagem ao explorar os mesmo elementos transformando o filme em duas tramas paralelas com a ausência de um fio condutor. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...