Pular para o conteúdo principal

A autoria como coadjuvante (É Apenas o Fim do Mundo)


Xavier Dolan aos poucos consegue entrar para o seleto grupo de diretores autorais. Marcante trilha sonora, cores vibrantes e um elenco que mescla interpretação com euforia. Essas características são nítidas em praticamente todos os filmes do jovem cineasta. No mais recente trabalho, É Apenas o Fim do Mundo, Dolan tira o pé do acelerador e deixa o espectador sempre na expectativa para encontrar algo a mais. 

A trama é centrada em Louis que por motivos graves de saúde decide encontrar a família após doze anos sem manter contato. A mãe recebe o protagonista repleta de afeto, mas os momentos intensos de mágoas e ressentimentos logo aparecem. A personagem mais confortável com a presença de Louis é Catherine. Ela é a personificação da mulher submissa ao marido que tenta ambientar o escritor e lhe informar sobre os acontecimentos da família neste longo período de ausência. Ela é a figura que tenta estabelecer o equilíbrio dentro de um ambiente claustrofóbico em que todos possuem motivos para cobrar de alguma forma a falta do protagonista.

Xavier tem em mãos atores competentes e o elenco é o ponto de referência que faz a narrativa ganhar peso e sentido. Se Vicent Cassel atribui a Antonie toda amargura e pressão para que o encontro familiar não se estenda o suficiente, Suzanne vivida por Léa Seydoux é um misto de encantamento e estranheza com a presença do irmão. Cada ator possui uma cena específica para estabelecer a ligação com o protagonista. Quando estão todos juntos, a mão do diretor é mais evidente e o caos toma conta da tela. Quem está familiarizado com o trabalho de Xavier compreende que esse caos encontra o equilíbrio na figura dos personagens.


O que era constante nos filmes anteriores em É Apenas o Fim do Mundo aparece como doses homeopáticas para o espectador. Cores quentes, câmera lenta e trilha sonora vibrantes tornam as cenas mais intensas e modificam o tom da narrativa evidenciando o passado do protagonista.O espectador percebe nos detalhes a mão do diretor, mas o que realmente falha é a adaptação da obra de Jean- Luc Lagarce. O fato de Louis receber todo o tipo de reação e ficar aparentemente apático prejudica o ritmo da trama. Em determinado momento, a mãe ressalta: "Você só fala três palavras e esboça um sorriso." E assim, o personagem mantém o padrão de interpretação e não faz o roteiro ter o devido impacto no confronto com os irmãos. Se a interpretação de Gaspard Ulliel é linear e reflete de forma equivocada a pressão e prisão do protagonista, Xavier consegue inverter a questão e evidência o aprisionamento de Louis com diversos takes e ângulos ressaltando pelo poder presente nas imagens que o protagonista está preso ao espaço físico e dentro de si mesmo. Os ângulos transmitem a impressão de sufocamento tanto do personagem quando do espectador.

É Apenas o Fim do Mundo não deixa de pincelar ao longo da narrativa a autoria de Xavier Dolan, mas quando as luzes do cinema acendem, o desfecho do filme transmite a sensação de que o freio de mão foi puxado e a criatividade tão peculiar do diretor ganhou status coadjuvante. 



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...