Pequeno Segredo, o representante brasileiro escolhido para concorrer a uma vaga de filme estrangeiro no Oscar em 2017, apresenta vários elementos que se encaixam como uma luva para a categoria: uma trama baseada em fatos reais, temática forte e um enredo que explora três histórias paralelas que em determinado momento se cruzam. Mesmo com os fatores descritos para potencializar a narrativa, o filme não consegue o básico: envolver o espectador.
O roteiro explora três histórias que possuem pontos em comum: a vida
da jovem Kat Schurmann e amor materno. O foco de uma delas é o
interesse amoroso de Robert por Jeanne. Os arcos dos personagens são importantes e ganham
força na interpretação de Maria Flor. É nítido o esforço da atriz ao tentar
crescer em cena, mas o trabalho encontra percalços no caminho, principalmente por Errol Shand não ter familiaridade com o idioma brasileiro. A
dificuldade do ator é tamanha que as inúmeras pausas nos diálogos prendem o ritmo do filme resultando na falta de empatia do espectador pelo casal.
O destaque vai para a sutileza no olhar de Júlia Lemmertz
como Heloísa Schurmann. Ela guarda o segredo da trama e em diversos
momentos consegue transmitir todo o sofrimento da mãe de maneira contida e
extremamente intensa. O trabalho competente da atriz estabelece o mínimo de
conexão do espectador com a proposta do filme mesmo que esbarre em inúmeros clichês. Júlia ressalta os conflitos e desafios de uma mãe que
luta pela saúde de Kat. O mesmo dilema que ocorre na interpretação de
Maria Flor podemos constatar no núcleo dos Schurmann. A ausência de fluidez nos
diálogos entre mãe e filha causam ruídos na interpretação de Júlia que tenta
estabelecer um laço fraternal com Maria Goulart. A jovem que interpreta Kat adolescente
imprime um naturalismo tão característico na imaturidade presente em vários atores iniciantes. O que é perfeitamente
compreensível, pois poucos atores conseguem o destaque na interpretação logo no começo da carreira. A diferença entre naturalidade e experiência que em muitos casos se complementam - lembre-se da parceria de Vinícius de Oliveira e Fernanda Montenegro, em Central do Brasil - aqui, não temos a química necessária das atrizes. E o que dizer do personagem de Marcello Antony? O arco de Vilfredo se
resume em poucas cenas, onde acredito que pela gravidade da situação, a figura
paterna também merecia o devido destaque.
O trio feminino de Pequeno Segredo ganha força pela atuação das
atrizes que vivem mulheres marcadas ao longo da vida. A forma como Fionnula Flanagan conduz Barbara em determinadas situações faz o espectador observar um resquício de sentimento mesmo que ele esteja camuflado na bebida. O trabalho da atriz é ofuscado pelo roteiro que enfatiza
ainda mais a visão primária dos estrangeiros com relação a cultura brasileira.
Falas como: "De que tribo ela veio?", "Ainda bem que você
escolheu uma nativa de pele clara." "Schurmann? Hum, não devem
pertencer a mesma tribo dela.". Uma pena que o trabalho de Fionnula seja
sabotado pela forma equivocada em exaltar aspectos desnecessários somente para reforçar uma visão limitada e preconceituosa de nosso país.
O que enfraquece realmente a narrativa é a falta de ritmo
presente na montagem de Gustavo Giani. As três tramas não possuem a ligação e
impacto necessários para causar empatia no espectador. No segundo ato, várias
cenas soltas não transmitem a intensidade que a temática poderia proporcionar. O ritmo é prejudicado também pela direção de David Schürmann que ao demonstrar afetividade e envolvimento
com os fatos, não consegue imprimir o distanciamento necessário para dar mais
força ao filme. A homenagem que realizou para a família esbarra em planos
detalhes previsíveis que para o diretor fazem sentido e são repletos de
significados. O foco nas mãos dadas, a bandeira brasileira e o nome de Jeanne
no barco. Os elementos que potencializam a visão sentimental do diretor para o
espectador ressaltam com clichês evidenciados também pela trilha sonora. Pequeno Segredo é uma narrativa com grandes potenciais que infelizmente proporciona ao espectador a sensação de estar em um barco à deriva sem saber qual rumo tomar.
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