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Quando as imagens falam mais do que as palavras (A Ovelha Negra)


A Ovelha Negra é o perfeito exemplo de trama que ganha o espectador aos poucos e no desfecho estamos totalmente imersos nos conflitos vividos pelos personagens. A Islândia é conhecida mundialmente pela criação de ovelhas e o filme aborda justamente esse aspecto como pano de fundo para aproximar o público dos irmãos Gummi e Kiddi. O primeiro ato apresenta os protagonista disputando o concurso anual de melhor cordeiro. A ovelha de Kiddi vence e a disputa que pertencia somente ao evento toma uma proporção maior: ela ganha contornos familiares e se estende por quatro décadas. Os irmãos estabelecem comunicação por pequenos bilhetes entregues pelo cachorro. Gummi decide avaliar as condições de saúde da ovelha vencedora e suspeita que o animal esteja com uma doença contagiosa chamada scrapie. Os veterinários constatam que é preciso sacrificar todas ovelhas da região. 

Grimur Hákonarson explora a narrativa com um ritmo lento essencial para envolver aos poucos o espectador nos conflitos gerados ao longo de toda a trama. O ar frio e a neve constante presentes em takes panorâmicos auxiliam na composição dos protagonistas e realça o distanciamento sentimental existente entre eles. O diretor evidência a persona dos irmãos, com um enfoque maior para Gummi, sempre centralizando os personagens no quadro de composição da mise em scène. A fotografia escura ressalta a frieza do relacionamento existente entre os personagens. 


A ausência de falas no roteiro são compensadas com as interpretações dos protagonistas. A intensidade e dramaticidade presente no olhar de Gummi cativa o espectador logo nas primeiras cenas. Siguröur Sigurjónsson consegue expressar e encontrar um equilíbrio entre a ternura e introspecção existente em Gummi raramente vista no cinema atual. Quando o diretor centraliza o personagem, a força da interpretação toma conta da tela. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer de Theadór Júlínsson, pois Kiddi não é explorado com a mesma intensidade por Grimur. Devido ao pouco tempo em cena, o personagem fica prejudicado e o espectador não tem contato com a personalidade forte do irmão mais novo. Para se redimir do erro, o diretor explora ao máximo Kiddi no terceiro ato e o público é presenteado com uma cena arrebatadora no desfecho que compensa a falta que sentimos do personagem ao longo da trama. 

O roteiro é praticamente inexistente, mas extremamente eficiente quando necessário. Os poucos diálogos entre os irmãos são explorados por tocantes imagens. Em diversos momentos A Ovelha Negra ganha um tom e atmosfera existente em filmes antigos do cinema mudo. As reviravoltas acontecem no timing certo para prender o espectador na trama, especialmente no final do segundo ato. Um acontecimento que poderia ser explorado de forma mais dramática é revelado ao espectador de maneira simples e objetiva. A medida que a relação dos irmãos toma proporções mais intensas, o ritmo continua lento e condizente com todo o trabalho apresentado durante a narrativa.

O filme consegue atingir o espectador com a grandiosidade de uma tríade que se complementa: roteiro simples e impactante, imagens que intensificam a história e interpretações que passam a sensibilidade necessária. A Ovelha Negra é um raro exemplo onde o poder das imagens falam mais do que as palavras.

 


Comentários

malcosta disse…
Adorei este filme. E a sua crítica!
Paula Biasi disse…
Um dos melhores filmes que vi este ano!!!
Muito grata por acompanhar o Blog!!!

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