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O lado despretensioso que atrai o espectador (Jovens, Loucos e Mais Rebeldes)


Richard Linklater realizou projetos em que acompanha os protagonistas por um longo período. Foi assim em Boyhood, filme que retrata o cotidiano da família de Mason durante doze anos. O mesmo aconteceu com casal Celine e Jesse, na trilogia "Antes do Amanhecer". O espectador observou treze anos de conflitos, encontros e reconciliações dos personagens. No seu mais recente projeto, Jovens Loucos e Mais Rebeldes, o diretor volta ao passado em uma temática já explorada: o universo juvenil. O filme não é propriamente uma continuação de Jovens, Loucos e Rebeldes de 1993, pois os personagens são diferentes, mas a atmosfera continua a mesma passando a sugestão de que teremos uma nova trilogia a caminho. 

Todos os takes feitos no carro de Jake nos fazem relembrar o filme de 93. Assim como os personagens da trama anterior eram embalados pela ótima trilha sonora, aqui não seria diferente. Logo na primeira cena, Jake observa o que está ao redor e não demora para aumentar o volume do rádio, enquanto se encanta com a beleza feminina que o distrai pelo caminho. O personagem chega em uma casa destinada exclusivamente para o time de baseball, uma espécie de república ,com as mais distintas personalidades. No primeiro ato, o público é apresentado aos personagens da melhor maneira possível: pela simplicidade e gírias típicas do universo masculino. Em cada cômodo, o protagonista conhece um membro do time. Todos são representados: o maconheiro, o conselheiro, o único negro do filme, o com comportamento estranho, o que não sabe perder e o galã. O fato da casa estar literalmente caindo na cabeça dos personagens é o que menos importa. O fundamental é sair e conseguir ficar com uma mulher no fim da noite. 

Após um rápido entrosamento com o grupo, Jake passa a noite na boate Sound Machine. Neste momento o espectador é apresentado ao personagem mais significativo do filme e que irá acompanhá-lo até o desfecho da trama: a direção de arte. O figurino, a paleta de cores, as coreografias, os bigodes de diversos tamanhos, jogos de fliperamas, sinuca e basquete. Todas características que fazem o público estar imerso na aura e atmosfera dos anos 80. O que também merece o devido destaque é a trilha sonora que intensifica toda a trajetória dos personagens. Passando pelo Rock, Country e Disco as trilhas são tocadas em festas e marcam a peregrinação dos protagonistas pela diversão sem limites. 




Jovens, Loucos e Mais Rebeldes não teria a intensa conexão com o espectador se não fosse o elenco. Jake (Blake Janner) é o protagonista, mas todos os arcos dos demais personagens são explorados de forma convincente. No segundo ato, o público está completamente envolvido no universo do grupo que fica difícil saber a interpretação de maior destaque. O problema é o roteiro que explora diversos monólogos de Finnegan (Glen Powell). O personagem é interessante e em alguns momentos o espectador fica preso nas lições que o veterano transmite, ou pelo menos finge transmitir, mas no decorrer da trama os nomólogos são constantes e repetitivos quebrando o ritmo do filme. O oposto acontece com Willoughby (Wyatt Russell). Todas as cenas do personagem refletem conselhos de amadurecimento e enriquecem a narrativa. Em determinado momento Jake questiona Finnegan sobre uma provável crise de identidade, mas logo é repreendido com conversas voltadas para mulheres, sexo e apostas. O que realmente pode incomodar alguns espectadores, especialmente o público feminino é a maneira como a mulher é explorada no decorrer da trama. Se no filme de 93, as personagens femininas eram cheias de atitude e com posicionamentos fortes sobre o corpo e maneira de pensar, aqui elas não passam de meros objetos com direito a uma cena totalmente descartável de luta na lama, somente para reforçar o posicionamento masculino perante o "sexo frágil".

Jovens, Loucos e Mais Rebeldes possui características que inserem o espectador na temática proposta. O filme tem uma aura de leveza que faz o tempo ser um mero detalhe contado no canto inferior da tela. Ao final da sessão, já nutrimos um saudosismo do time de baseball que acabamos de conhecer. Que venha o próximo longa para fechar a trilogia que retrata o lado despretensioso e simplório do universo juvenil.  
  

  

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