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Entre a inocência e o amadurecimento (As Mãos Daquela Menina)


O melhor de conferir filmes selecionados para festivais é ter a oportunidade de ver vários gêneros e não criar expectativas porque muitos não possuem tamanha visibilidade como os blockbusters. Na quinta edição do Brasília Internacional Film Festival, esse fato aconteceu diversas vezes e entre uma sessão e outra, uma animação particularmente chamou minha atenção. As Mãos Daquela Menina é uma produção francesa baseada em um conto dos Irmãos Grimm. 

A animação conta a história de um moleiro que ao passar por dificuldades sente-se tentado pelo diabo a trocar o que ele possui atrás da floresta por ouro. Todos ficam encantados e espantados com a quantidade de ouro que aparece na humilde terra, mas a esposa alerta o marido: você trocou tudo o que estava em determinada parte da floresta, nossa filha estava na árvore. Ela também foi "trocada". O pai discute com a mulher afirmando que não tem como reverter a situação. A esposa ressalta: "Um ouro tão brilhante, mas parece tão sujo." A ganância por ter o que nunca pode conquistar fala mais alto. O diabo vem buscar a filha, mas a pureza da inocente garota o impede. Não conseguindo levá-la, como punição ele corta as mãos da pobre menina.


Toda a animação apresenta os personagens como se fossem pintados em uma tela de aquarela. Os traços não são definidos, eles dançam simulando a beleza e leveza de uma ventania. O espectador acompanha as dificuldades encontradas pela menina ao percorrer um caminho estreito em busca de amadurecimento. As mudanças e nuances de cores são significativas para contar a história. A protagonista, sempre aparece com traço azul, para ressaltar a pureza presente na menina. Em momentos mais drásticos, especialmente quando as mãos são cortadas, ela ganha traços pretos. O Diabo, com traços verdes intensos ressalta as maldades praticadas pelo vilão. O pai é apresentado com traços roxos para expressar o sofrimento ao trocar a filha por ouro. As cores ganham mais intensidade a medida que a menina passa por obstáculos até encontrar o príncipe e consequentemente descobrir o amor. A inocência é retratada com cores mais claras. A transformação de menina para mulher pode ser analisada pela predominância do vermelho e laranja.

A animação peca ao explorar o vilão com um roteiro raso. Todas as vezes que o personagem aparece na trama, o contexto é apenas mencionado com poucas frases. O espectador fica perdido sem compreender ao certo os motivos da maldição que a menina carrega na presença do vilão. No momento em que ele dificulta a vida e felicidade da protagonista, as falas são soltas e não intensificam toda a importância e transição das cenas. Esse aspecto fica mais evidente com as cartas que chegam para a menina no castelo. O espectador não sabe ao certo as motivações do vilão, ele somente quer ver a protagonista sofrer. Próximo do terceiro ato, a mudança drástica do ritmo prejudica consideravelmente a animação. 

As Mãos Daquela Menina apresenta ao espectador uma riqueza de cores e a suavidade nas linhas compostas nos personagens. O diretor Sebastien Laudenbach utiliza os mais diversos recursos para contar a história e trajetória de superação da menina que não encontrou na limitação motivos para desistir. A aminação enfatiza justamente o contrário, após se libertar das próteses que a impediam inclusive de amamentar e segurar o filho, a menina transforma-se em uma mulher amadurecida pelas dificuldades superadas.

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