Pular para o conteúdo principal

Um olhar diferenciado para a ditadura militar (A Passageira)

Magallanes é um humilde taxista no Peru. Entre uma corrida e outra, a passageira, Celina, entra em no táxi . A mulher não é uma pessoa comum, entre ambos existe um passado que querem esquecer. Magallanes decide ajudá-la, pois descobre que ela está com graves problemas financeiros. O taxista possui uma foto antiga da época em que Celina era jovem. A foto pode lhe render uma quantia grande em dinheiro, com este pensamento o protagonista executa um plano para chantagear Christian Maier, um homem poderoso que também de forma indireta está ligado ao seu passado. A Passageira vai além da trama mencionada, esta é somente o pano de fundo para uma trama maior e mais emblemática: a ditadura militar na América Latina. Celina tem em seu passado um trauma vivenciado neste período. A figura do Coronel vivido por Federico Lupe  e Magallanes interpretado pelo ator Damian Alcazar são marcas que voltam à tona quando o taxista insiste em ajudá-la.
O roteiro até o começo do segundo ato centraliza a trama em Magallanes e na chantagem ao tentar publicar uma foto específica do Coronel na imprensa. A trama ao explorar este contexto não avança muito e acrescenta pouco a história. Os diálogos são simples, pois o diretor Salvador del Solar, também responsável pelo roteiro, apresenta a narrativa em um crescente gerando a cada cena a tensão necessária para que o espectador seja refém e se prenda a trama. A partir do segundo ato, A Passageira ganha verdadeiramente o tom de suspense. O roteiro fica mais envolvente e o público sabe aos poucos como as histórias dos personagens se entrelaçam e como o contexto histórico e significativo da época marcou a vida de todos os envolvidos.
Salvador del Solar, nos apresenta os personagens com movimentos de câmeras específicos. Ao longo de todo o filme, Magallanes é apresentado para o espectador em cenas com zoom in, no intuito de explorar ao máximo o trabalho de Damian. A câmera acompanha cada movimento do ator, para que o público estabeleça uma conexão com a angústia do protagonista. O diretor com o trabalho em conjunto da direção de arte, nos apresenta planos e tomadas diferenciadas explorando ao máximo e evidenciando o contraste das classes sociais. Magallanes vive em um cômodo abafado e Salvador com o jogo de câmera sempre ressalta o sufocamento do personagem preso no local.
Os destaques do elenco são Damian Alcazar e Federico Lupe, onde ambos possuem toda a tensão necessária focada no olhar de seus personagens. Damian consegue transmitir todo o sofrimento de Magallanes com um olhar profundo que exalta suavidade nos momentos em que está com Celina e também tensão a medida que seu plano toma outras proporções mais drásticas. Destaque para a cena em que o protagonista corta o cabelo no salão de Celina. O toque das mãos da personagem, o remete ao passado e o ator com competência transmite na profundidade do olhar toda a sensibilidade que a cena necessita para tocar profundamente o espectador. E Federico nos apresenta um coronel dúbio, ele indaga o público com expressões significativas na interpretação e nos faz sempre querer saber mais sobre as intenções do personagem. Será que ele realmente está doente, ou utiliza a enfermidade para esconder e fugir do passado?
O maior equívoco do filme é a trilha sonora que exalta a dramaticidade já presente de forma interessante e significativa nos personagens. O roteiro em diversos momentos nos remete a previsibilidade e juntamente com a trilha exagerada, intensifica ainda mais a tensão que se faz desnecessária, pois os demais elementos são suficientes para contar a história.  A trilha central é um boa escolha, pois é suave e ao mesmo tempo enfatiza o tormento vivido pelo protagonista.
A Passageira nos apresenta um olhar diferenciado e sensível de um período histórico extremamente significativo. A Ditadura Militar deixou marcas profundas nos personagens e o filme ressalta os conflitos e dilemas dos protagonistas sem a necessidade de explorar a violência exagerada vista em outros filmes que abordam a temática.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...