Troque a princesa dos contos de fadas e coloque no lugar um
cearense que sonha em ser lutador de artes marciais. Acrescente ao contexto o amor pela mocinha que está comprometida com um homem
supostamente valente. Temos assim, o enredo de O Shaolin do Sertão, com um leve
toque de história infantil e críticas sociais
pertinentes voltadas para o público adulto.
Logo na apresentação dos créditos iniciais a estética
do filme é apresentada e ambientada nos anos 80. Aluisio Li luta bravamente
contra vários inimigos enquanto recebe conselhos e ensinamentos de seu mestre.
Toda a cena de abertura é feita em uma referência visual onde a imagem remete
claramente aos filmes voltados para o formato VHS. Para deixar
de perder lutas no primeiro soco que leva e provar que pode vencer um famoso
lutador de vale - tudo, Li aceita a proposta de Rossivaldo. O prefeito vislumbra
motivações políticas e financia o treinamento do protagonista. O pouco que
sabe, Aluisio aprendeu em um livro que guarda no quarto e na fita de um filme
voltado para artes marciais, mas que ele nunca conseguiu ver porque não tem
videocassete para assistir. A solução é encontrar um mestre para lhe ensinar
os conhecimentos da luta.
O filme ganha um ritmo interessante a medida que
o protagonista conhece Chinês, o seu Miyagi do sertão, interpretado pelo músico Falcão. Repleto de
referências aos filmes Karatê Kid e O Grande Dragão Branco, Li começa o treinamento e imediatamente o espectador é transportado para a atmosfera dos filmes mencionados.
O que torna a trama envolvente é levar ao público imagens de várias regiões do
interior nordestino onde Aluisio treina. Para ganhar agilidade, ele
corre atrás de galinhas, para suportar golpes, nada melhor que um coice de um jumentinho. E assim, os golpes possuem nomes específicos de animais típicos do Nordeste. Aos poucos, o protagonista sente que está preparado para enfrentar o famoso
lutador no duelo final.
Todo o elenco de coadjuvantes é responsável por levar ao
espectador uma visão que vai além da comicidade óbvia presente na trama. A
humanidade com que Fafy Siqueira interpreta Dona Zefa, a afasta do tom mais
caricato dos demais personagens e demonstra ao público que O Shaolin do Sertão é um filme com camadas para reflexão social. Ela acrescenta ainda mais à visão de Li ser um príncipe às avessas em busca de seus sonhos, mesmo que
para isso ela transforme a sua dura história de vida em um conto de fadas para
levar uma mensagem de otimismo ao filho. Dedé Santana, o típico Seu Zé,
dono da padaria, quer casar a filha Anésia Shirley com um homem que tenha dotes.
A medida que Aluisio fica famoso na cidade, ele logo muda de
opinião e o convida para um cafezinho cheio de interesses. O jogo político também é
explorado nos personagens de Frank Menezes e Cláudio Jaborandy. Ambos são carismáticos com um forte contexto social de poder.
O filme perde força principalmente no roteiro que
deixa aspectos importantes sem um arco desenvolvido. O protagonista possui uma
fita cassete que só é explorada no começo do terceiro ato e de uma forma
equivocada que não acrescenta ao contexto proposto. As falas de Chinês provocam
o riso espontâneo no espectador, mas o excesso delas fazem o filme perder ritmo.
O mesmo acontece com o jornalista que narra luta final. Várias falas são
soltas para dar mais comicidade ao personagem, sendo que ele se sustenta basicamente na caracterização, sem necessidade de complementos.
O Shaolin do Sertão foge do entretenimento raso pois consegue ir além do que é proposto pelo gênero: agradar crianças com a ingenuidade presente no protagonista e cativar
o espectador adulto com um retrato próximo das relações sociais presentes
em cidades espalhadas pelo Brasil.
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