Poderia ser mais um filme sobre conflitos familiares e cotidiano.
Poderia? Sim, Aquarius ressalta esses questionamentos, mas a proposta é a
reflexão em ir além do que é projetado na tela. Aquarius não é somente o nome
do edifício onde a protagonista mora, mas também é um espaço físico repleto de
memórias. Uma construtora tem interesse em realizar um novo projeto no local e
precisa que Clara autorize a venda do apartamento. A protagonista recusa todas
as ofertas propostas e consequentemente começa a receber diversas
ameaças.
O roteiro é costurado ao longo da trama e enfatiza
alguns elementos fundamentais para a trajetória e desenvolvimento da narrativa.
Alguns enquadramentos de câmera específicos em determinados objetos ressaltam a
importância e especificidade para enriquecer o enredo. Diversas chaves, um
cômodo, LPS e um som antigo. A ênfase e o close desses objetos nos remetem aos
filmes do diretor Denis Villeneuve, onde um simples apito vermelho carrega a
intensidade necessária para gerar o suspense ao longo da história. A base da
trama está na simplicidade e nos momentos intensos da vida de Clara. Toda a
trajetória da protagonista é marcada por músicas repletas de significados. O
netinho está em casa? O espectador escuta O Ar, de Toquinho e Vinícius de
Moraes. Quando o sobrinho conversa sobre a nova namorada "delivery",
a tia sugere Maria Betânia para mostrar intensidade no novo relacionamento. Um
dos aspectos mais interessantes da trama é como o diretor explora com segurança
a interação entre os atores iniciantes e veteranos. O filme é repleto de temas
intensos, mas que ganham realismo quando mencionados de maneira naturalista por
Ladjane. Zoraide Coleto nos apresenta uma mulher igualmente marcada e tão
importante quanto Clara. A mesma naturalidade pode ser atribuída aos funcionários
da construtora, o arco dos personagens coadjuvantes são fundamentais para o
andamento do roteiro.
Duas horas e meia de filme passam de forma leve e
intensa graças a competência e simplicidade com que Sônia Braga conduz a
personagem. Acompanhamos três fases importantes da vida de Clara e como os
momentos e memórias são entrelaçadas e passadas para o espectador com cada
olhar e gesto minimalista da atriz. O destaque para o cabelo da protagonista,
suas músicas, angústias, inseguranças e a relação com os filhos são
representadas pela atriz com domínio total da câmera. Aquarius não teria a
força pulsante que demonstra se não fosse a excelente composição da
atriz.
Kleber Mendonça Filho transmite segurança e leveza ao enfatizar
determinados elementos presentes na mise em scène. Dessa forma, o diretor
desperta o interesse do espectador ao apurar e direcionar o olhar para objetos
essenciais na compreensão da trama. Alguns closes são excessivos, o que gera um
duplo significado: o suspense em torno do objeto e a redundância em prolongar a
trama com enfoques já explorados anteriormente. O som diegético tão marcante em
Um Som ao Redor ,trabalho anterior do diretor, também ganha peso e importância
em Aquarius. Kleber explora ao máximo os diversos sons presentes em cada cena
transformando-os em personagens fundamentais para o desenvolvimento da
narrativa. Outro aspecto ressaltado é a forma como o cotidiano e as classes
sociais são retratadas. Momentos de dança ou datas comemorativas são
apresentados de forma singela e repletos de contrastes.
Aquarius faz o espectador refletir sobre as memórias e
o significado delas para cada membro da família. Alguns analisam determinados
acontecimentos de maneira mais relevante que os demais. Independente da aura
política gerada em torno do filme, Aquarius tem em sua simplicidade a grandeza
marcante de uma bela história.
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