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Necessário e provocador (The Invitation)


Após perder o filho, Will e Eden separam-se. Dois anos passam e Eden decide convidar antigos amigos para um jantar. The Invitation no primeiro momento apresenta ao espectador a sensação de déjà vu. Um grupo se reencontra e algo pode acontecer a qualquer instante. A proposta inicial da trama é justamente levar ao público a impressão de estar confortável com a esta sensação de que nada inovador poderá de fato acontecer, mas o roteiro de Phil Hay e Matt Manfredi e a direção de Karyan Kusama provam constantemente em cada cena que estamos equivocados.  

Will ainda sofre com a perda do filho e ao retornar à sua antiga casa , ele relembra lembranças dolorosas e intensas envolvendo a criança. As imagens auxiliam o espectador no contexto proposto: além da atmosfera de tensão que paira dentro do ambiente, o público tem contato com a sensibilidade e sofrimento do protagonista. Os flashbacks são explorados de forma distorcida pela diretora causando a sensação de que Will ainda está transtornado emocionalmente pelo trauma. 

Karyan Kusama sabiamente explora a casa e faz dela a real protagonista da trama. A medida que Will se sente incomodado com a situação, os demais personagens sempre o consolam em diferentes cômodos do local. Igualmente fundamental para a trama são a direção de arte e fotografia. Ambas ajudam a criar a atmosfera tensa presente constantemente no filme e a diretora brinca com o espectador fazendo com que ela cresça gradativamente.

David propõe um conhecido jogo para os amigos de sua companheira, e claro, o espectador pode pensar que novamente está em um terreno ameno e seguro. O jogo ganha um tom divertido, mas ao chegar a vez de Pruitt, um misto de delicadeza e sofrimento são equilibrados com competência pelo versátil ator John Carroll Lynch. No momento em que expõe seus sentimentos, o roteiro enfatiza a banalidade presente em nosso cotidiano, o personagem diz: " Foi uma daquelas brigas que duram o casamento inteiro". Novamente, o jogo que parecia inocente e até clichê trás consigo pistas e confunde ainda mais o público que neste momento e durante bom tempo da trama chega a duvidar da sanidade de Will. 


Como lidamos com a dor? Eden demonstra frieza e logo compreendemos que a personagem veste uma máscara para transparecer que conseguiu superar o trauma vivido pelo casal. Ela e o atual companheiro encontram na religião a ausência da culpa. A temática é regada de simbolismos apresentados para o espectador. Temos na trama doze personagens. Eles estão tomando vinho e sentados em uma grande mesa apreciando um delicioso banquete. Somente Will não acredita na felicidade da ex esposa e em momentos abruptos tenta abrir os olhos dos demais que algo errado está acontecendo, mas em seguida o roteiro apresenta situações provando justamente o contrário. Quem está correto? Até que ponto a espiritualidade nos conforta ou nos aprisiona? 

Próximo do desfecho o espectador fica mais envolvido pela atmosfera criada por Karyan Kusama. Somos reféns do jogo final proposto pela diretora. A fotografia escura ressalta ainda mais a aproximação do público, como em um pique -esconde a casa é explorada por diversos ângulos com diferentes planos. The Invitation torna-se necessário por ir além do que aparenta com a finalidade de provocar intensos questionamentos. 

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