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Sua verdadeira companheira foi a solidão (Janis)


Como fica a cabeça de uma jovem quando ela é eleita o Homem mais feio do mundo? Este é somente um dos aspectos explorados por Amy Berg no documentário Janis: Little Girl Blue. O espectador é imerso no universo e olhar proposto pela diretora. A vida conturbada da cantora era um misto de intensas alegrias e tristezas. O fato mencionado acima mexeu psicologicamente com a protagonista que passou seus 27 anos tentando ser aceita nos grupos que pertencia. Aqui, a figura dos palcos fica em segundo plano para que o espectador conheça o lado humano e extremamente sensível de Janis Joplin.

Um dos aspectos mais interessantes do documentário são as cartas que a cantora escrevia para a família relatando sua tão sonhada liberdade conquistada após deixar o conservador estado do Texas. Mas sempre nas entrelinhas escritas, Janis nunca deixava de enfatizar a solidão. O sentimento de euforia com a turnê da Banda Big Brother and the Holding Company e o sucesso conquistado eram abordados, mas acompanhados de fatores depreciativos que nunca deixaram a protagonista. Amy sabiamente mescla os momentos em que Joplin era dúbia. Logo após uma cena que retrata um importante show, o espectador também é envolvido pela escrita da cantora. As cartas alternam momentos de puro êxtase, consequência de tudo que ela havia conquistado e ao mesmo tempo o preocupante vazio que insistia em acompanhá-la. A diretora deixa claro como o papel da mídia também foi devastador para a artista. Algumas matérias enfatizavam que a cantora ofuscava a banda, logo após seguir carreira solo, a mídia deixava evidente que Janis estava perdendo o rumo. 

A cantora fazia do palco um verdadeiro divã. Em diversos momentos no documentário, Janis conversa com o público e relata assuntos de cunho pessoal para em seguida retomar a música que era obviamente  reflexo do que ela estava vivendo no momento. Em determinada cena ela começa um monólogo onde aborda a questão do término com o namorado que conheceu em uma viagem ao Brasil, no carnaval carioca. Janis era para o companheiro a Garota de Ipanema. Uma evolução para quem até então sustentava o título de homem mais feio do mundo. 


Fatos marcantes como Woodstock, segregação racial e o movimento Ku Klux Klan também são retratados no documentário. O festival ganha obviamente mais destaque pela importância na vida da cantora em participar de algo tão marcante para o cenário musical. Diferente do festival, os demais temas não acrescentaram na trama porque são desenvolvidos precariamente. Sensação parecida pode ser observada pelos depoimentos de cantoras atuais nos créditos finais. 

Os trilhos do trem presente em algumas cenas transmitem não somente do fato em si, a questão em retratar as viagens constantes da cantora, mas também a sensação de que ela não pertencia a lugar algum. A diretora peca pelo excesso, o espectador perde a conta de quantas vezes Amy Berg utiliza essa metáfora, o que deixa o documentário cansativo em determinados momentos. 

Janis Joplin era uma artista visceral e conseguia tocar e transmitir sua mensagem com letras que intensificavam a necessidade de atenção. Em uma das últimas cartas, narrada com competência e sensibilidade por Cat Power, ela escreve: "Todos da banda sobem acompanhados para o quarto do hotel e eu sempre estou sozinha". As drogas causaram sua morte, mas o que realmente levou Janis foi a solidão. Ela a acompanhou até o fim. 

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