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A inocência que encanta o espectador (A Incrível Jornada de Jacqueline)


A Incrível Jornada de Jacqueline nos convida a embarcar na viagem de Fatah rumo à Paris para realizar um sonho: participar de uma grandiosa feira de Agricultura. No pequeno vilarejo onde mora, na Argélia, o protagonista almeja realizar tamanha façanha e acredita na possibilidade de concretizá-la ao receber uma carta o convidando para finalmente expor Jacqueline, sua vaca de estimação. Sem dinheiro para chegar até Paris, todos os habitantes do local decidem financiar a viagem do protagonista com o animal. Fatah chega até Marselha de barco e o restante da viagem será à pé com sua inseparável companheira. Claro, no trajeto ele encontra inúmeras dificuldades e pessoas interessantes dispostas a ajudá-lo. 

No começo da trama somos apresentados ao protagonista com seus costumes e tradições sem nunca deixar de lado o apego e carinho que tem por Jacqueline. Sendo motivo de chacota pelos homens do vilarejo, Fatah não desiste de tentar realizar o sonho de ir à Paris. A trama torna-se interessante à medida que somos familiarizados com o jeito inocente e quase infantil de Fatah. Para que um road movie tenha força é preciso que o protagonista seja carismático ou intenso ao longo da trama. Fatsah nos brinda com um personagem repleto de camadas, mas uma pergunta surge no decorrer do filme: Até que ponto estamos diante do ator interpretando um personagem ou temos Fatsah representando ele mesmo na tela? A interpretação é tão naturalista que pode causar essa dúvida. Uma dúvida que funciona perfeitamente e faz o espectador ficar a cada cena mais envolvido pelo desempenho do protagonista. Acompanhá-lo nesta jornada é uma mistura de encantamento e diversão. 

O roteiro consegue explorar diversas temáticas atuais e de fundamental importância para a sociedade atual. Uma inocente festa é motivo para que o protagonista explore seus dons musicais e cante I Will Survive . A festança é regada de bebidas alcoólicas com sabor de pera. Tudo é registrado e mandado por email para a esposa e suas duas filhas. O desfecho vem acompanhado de uma ressaca moral, pois Fatah acaba beijando uma mulher "gorda", como ele enfatiza a todo momento. Desesperado, ele somente consegue dizer que a culpa foi da pera. Após a festa, o protagonista agora possui a preocupação de salvar seu casamento. O destaque é a importância do casamento tanto para a mulher, que agora é julgada pela atitude do marido, quanto para o homem, que não vê mais sentido em continuar a jornada sem a aprovação da esposa.


A data da feira se aproxima e Fatah tem que resolver mais uma adversidade : Jacqueline ficou entalada na lama. Passando pelo local, Philippe decide ajudá-lo. Jacqueline precisa descansar e o protagonista fica alguns dias na casa do novo conhecido. O personagem de Lambert Wilson peca ao deixar somente pontos importantes na trama sem aprofundá-los. Uma conversa surge entre os personagens e Philippe ressalta que sofre de depressão. Fatah sempre encantado e demonstrando profundo interesse pergunta o que causa a depressão. Philippe responde que não existe uma causa aparente e sim uma tristeza muito intensa causada por problemas. O protagonista em sua total inocência diz: " De onde eu venho poderíamos sofrer de constante depressão. Temos muitos problemas". Um enfoque singelo explorado pelo roteiro para mostrar ao espectador a condição e dificuldades do vilarejo onde vive o protagonista. 

Fatah encontra pelo caminho manifestantes e se vê envolvido em um confronto com a polícia. Ele é preso e ganha notoriedade por estar na manifestação. Uma repórter enfatiza sua história. Ele ganha uma repercussão exagerada ficando conhecido na região. Ao contar sua trajetória e os vinte dias que percorreu à pé para tentar chegar à feira, nosso querido protagonista viraliza e um vídeo o faz ganhar vários seguidores. O roteiro ressalta muito bem a questão do papel da mídia e como um desconhecido pode tornar-se celebridade em questão de minutos.

Philippe reencontra Fatah e tenta levá-lo até o local da feira. Como o protagonista já está famoso, muitos somente aguardam a chegada de Jacqueline no local. A vaca e seu dono conquistam o público e o desfecho não poderia ser mais previsível. O roteiro peca ao resumir a trajetória do protagonista nas falas rasas de Philippe. Para o tamanho e dimensão do protagonista , o desfecho fica somente jogado em um clichê simplório. 

Apesar dos coadjuvantes não serem bem explorados no roteiro e o protagonista não ganhar um final merecido, o filme consegue transmitir mensagens interessantes e destacar o belo trabalho realizado por Fatsah Bouyahmed que nos encanta com uma mistura de inocência e verdade tão carentes nos dias atuais.  



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