Assunto de um post anterior, quando abordei minha relação com o
clássico filme de Steven Spielberg, a tal figura alienígena, que conseguia a
proeza de fazer o coração mais duro chorar com a amizade de Eliot e E.T. Na
ocasião, escrevi sobre minha iniciação precoce em torno do mundo
cinematográfico. Pois bem, minha jornada pela sétima arte só aumentou depois
desse primeiro contato e muitos outros filmes foram vistos e revistos,
sempre me proporcionando uma inquietação passageira ou mais intensa, ambas com
seu devido propósito.
Além de E.T, outros filmes marcaram de alguma forma e auxiliaram
nesta minha busca para sentir algo próximo da experiência que eu tive quando os
vi pela primeira vez, apesar de saber que nunca será. Depois do meu contato um
tanto quanto traumático e mágico com o clássico, me aventurei no cinema
independente, sem me dar conta disso. O filme em questão era Kids, de Larry
Park. Na época, com meus quatorze anos, não tive dúvidas, o que verdadeiramente
me motivou a querer tanto ver ao filme era pelo fato de ser proibido. Acredito
que a censura era 16 anos, no caso, eu poderia ver acompanhada de um
responsável. Meu irmão mais velho também não tinha idade suficiente e meus pais
tinham outras preocupações mais urgentes para resolverem do que levar a filha
ao cinema.
Aguardei um bom tempo para poder alugar, sim, uma fita VHS, e fiz
minha mãe assistir comigo. Antes tive que convencer o dono da locadora que
estava acompanhada e que ela deixava eu alugá-lo. Um simples sinal de positivo
de dentro do carro foi o bastante para convencê-lo e lá fui eu com algo
precioso nas mãos, para ver o primeiro filme que me ajudaria de certa forma a
tentar entender o que os adolescentes passavam e suas consequências, muitas
vezes traumáticas. Confesso que fiquei catatônica em algumas cenas e sempre
acordava a minha mãe que fingia assistir. Ao término do filme, me deparei com
um silêncio profundo e minha cabeça só tinha espaço para uma única pergunta:
Será que quero repetir esta sensação ? Não, definitivamente, não. Bom, ainda
bem que continuei minha saga por filmes diferenciados, mas devo escrever que
passei um bom tempo dedicado para as comédias. Kids serviu para abrir um
horizontes de possibilidades e percebi que existia algo além da fantasia no
cinema.
Depois do que tinha visto e após muitos filmes de entretenimento
fácil, um rumor aguçou minha curiosidade. Uma amiga do segundo grau, Alia, já
havia emprestado a fita para alguns colegas, e eu, no meu universo todo voltado
para as comédias , em que nada acontecia, na mesma hora percebi que queria
sentir aquela sensação novamente e sabia que aquela fita iria me proporcionar
uma experiência semelhante. Pensei: Estou mais do que preparada, já vi um filme
pesado que mexeu muito comigo. Vou assistir tranquilamente este, mas eu
aguardei porque todos da turma queriam ver. Chegou a minha vez e eu estava com
nada mais nada menos do que o clássico Laranja Mecânica em mãos. Lembro como se
fosse hoje de entrar no meu quarto e duas horas e meia depois me indagar: Sim,
existe um universo vasto para ser explorado. Era uma relação de amor e ódio.
Não conseguia tirar os olhos de Alex e mesmo assim não entendia as razões do
filme me fascinar tanto. Mergulhei no mesmo silêncio que desta vez me
acompanhou por semanas. Fui para a locadora e disse: Quero todos os filme desse
Stanley Kubrick. Tive contato com toda a obra do diretor, menos De Olhos Bem
Fechados, que na época estava em fase de produção. Percebi que no mundo do
cinema tudo era possível e que por algumas horas podemos esquecer do nosso
cotidiano e vivermos uma outra realidade que nos transformará de alguma
maneira. O clássico marcou tanto que anos mais tarde foi explorado em minha
monografia.
Já na faculdade de Pedagogia conseguia perceber estilos e
temáticas distintas de alguns diretores. Tudo me fascinava. Foi nesta época que
percebi o quando uma sinopse pode lhe enganar. Minhas horas em locadoras eram
intermináveis, eu simplesmente adorava todo o ritual da possibilidade de ter
distintos gêneros ao meu alcance. Bom, depois de algumas horas, uma história
despertou meu interesse. A trama que girava em torno de uma família na festa de
sessenta anos do patriarca. Nada muito fora do comum, mas o filme era Festa de
Família, de Thomas Vinterberg. Tive meu primeiro contato com o universo do
movimento Dogma, uma câmera na mão, locações naturais sem nenhuma interferência
de recursos mais sofisticados e uma ótima história. Foi depois desse filme, meu
preferido até hoje, que descobri a importância de um bom roteiro. O que uma
grande história pode contar na ausência de outros elementos? Tudo.
Para finalizar a lista, na metade do curso de Jornalismo, em uma
sexta-feira, às oito horas da manhã, somente uma alma viva na sala, eu e o
professor André, provavelmente ele com uma raiva contida dentro de si, por
achar que ninguém iria aparecer na aula depois de uma semana com feriado
prolongado, e eu, tendo que escolher um filme para assistir. Outro universo de
possibilidade se abria. Ele perguntou: Você faz teatro? Eu respondi: Sim!
Então, sem pestanejar, ele sugeriu Persona, de Ingmar Bergman. Totalmente
imersa na vida das protagonistas e em seus sofrimentos, ao término do filme, eu
tive a nítida impressão de que algumas películas não precisam necessariamente
ter sentido,e sim, despertar sentidos. Por este motivo descobri uma das razões
pelas quais estava fazendo Jornalismo, futuramente queria ser crítica de
cinema. Encontrei minha vocação, que já estava latente em algum lugar, mas como
sempre cada um possui a hora para amadurecer e enxergar certas possibilidades
na vida, o que era um hobby poderia ser o que queria fazer. Tinha encontrado
meu caminho e o mais interessante é que o cinema sempre esteve lá despertando
sensações e proporcionando novas vivências.
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