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Não se engane, o cinema argentino ainda pode lhe surpreender. (O Clã)


Nesta mesma época do ano, já esboçava minha lista de melhores filmes de 2014, mas decidida a esperar o restante do mês, não pude deixar de incluir Mommy, na ocasião tinha visto no dia 30 de dezembro. Bom, o inevitável aconteceu, já estava preparando minha lista de 2015 e decidi esperar até o último dia do ano e realmente o fato se repetiu, um pouco antecipadamente, mas tenho quase certeza que assisti ao melhor filme do ano, O Clã, de Pablo Trapero. 

A história baseada em eventos reais narra o cotidiano da família Puccio, tudo transcorre na mais perfeita normalidade: a mãe leciona, os filhos seguem o percurso natural dos estudos e o pai é um militar aposentado. Tudo em sintonia, mas mesclado com os sons vindos do rádio em um cômodo escondido da casa podemos escutar os gritos abafados de vítimas que Arquímedes mantém em cárcere. Mesmo com o pagamento do resgate, o assassinato é certeiro. 

O diretor consegue acertar ao contar duas histórias simultâneas e que se complementam perfeitamente para equilibrar o tema pesado do filme. O foco principal em um dos filhos, Alejandro, que possui um futuro promissor como jogador de rúgbi e tem um vislumbre de sair do seu próprio cárcere. Pensa em casar e constituir uma família longe do pai opressor. Quando as cenas de tortura são apresentadas há uma interferência benéfica de seu filho descobrindo o amor, assim suaviza a temática sombria do contexto familiar. As cenas do filho são filmadas de diversos ângulos e com um ritmo mais acelerado. O que torna o espectador mais interessado em ambas histórias retratadas.

Destaque especial para o elenco, Guillermo Francella está excepcional como patriarca da família. Seu olhar frio logo na primeira cena já conquista o espectador e nos deixa cada vez mais envolvidos para desvendar os limites do personagem. Tudo é extremamente premeditado. Quem conseguiria desconfiar de um senhor que lava diariamente a rua da loja do filho, enquanto tortura suas vítimas em um quarto? O ator transmite todas as muances do personagem que poderia facilmente entrar para a lista de Hannibal e companhia limitada.  


Um dos aspectos mais interessante é que presenciamos algumas cenas de tortura, somente a intensão do que acontece no quarto já é mais do que suficiente para o público perceber o que ocorre na casa. O grande duelo talvez seja entre pai e filho, o que demostra a competência de Peter Lanzani ao confrontar seu personagem com Guillermo. Várias cenas com interpretações ricas e que ganham um crescente até o desfecho inesperado da trama, tudo envolvido pela ótima trilha sonora. 


Quando você achou que o cinema argentino não poderia lhe surpreender, eis que chega de repente O Clã, e nos dá uma aula de como a sétima arte pode ser tão inovadora e que ainda podemos sair do cinema com a sensação de que vale a pena pagar um ingresso e ver filmes como esse na telona.
  

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